quinta-feira, 29 de novembro de 2012

HISTÓRIA DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA



Ao Brasil profano e histórico dessas obras correspondia o Brasil místico e mítico da Atlântida, epopéia cósmica de Dario Veloso, concluída em 1933, embora só cinco anos mais tarde fosse postumamente publicada. Trata-se da nossa epopéia nacional, e faltou-lhe apenas a espessura de um cabelo, escrevia eu a 5 de setembro de 1970 para situar-se no mesmo plano de tantos outros poemas legendários de que se orgulham escandinavos e hindus, hispano-americanos ou poloneses — e mesmo franceses. A Atlântida deve ser lida nas perspectivas das demais epopéias românticas que, segundo a bela síntese de Léon Celeiro, são humanitárias e religiosas. Otimistas, crêem no futuro da Humanidade; sabem que, se os deuses morrem, acabam sempre por ressuscitar; anunciam, como Victor Hugo, o fim de Satã. O épico para uma epopéia moderna é a evolução do progresso humano; nisso, os simbolistas, como Dario Veloso, confundiam-se paradoxalmente com os Enciclopedistas nas mesmas aspirações e ideais; a recíproca, aliás, é verdadeira, porque a idade da Enciclopédia, na aguda observação de Herbert J. Hunt, “é a idade dos curandeiros, profetas, convulsionários —  e charlatães. É também a idade dos maçons, da teosofia e do iluminismo” — tudo confluindo paradigmaticamente na obra de Dario Veloso. De fato, Herbert J. Hunt reportava-se ao juízo de Chateaubriand, no Gênio do Cristianismo, só restavam aos tempos modernos dois belos assuntos de epopéia, as Cruzadas e a Descoberta do Novo Mundo. Lembremos, a propósito do poema brasileiro, que, desd 1812, Népomucène Lemercier (1771-1840) havia feito da destruição do continente mítico o tema do poema Atlantide ou la Théogonie newtonienne.

Em Dario Veloso, a concepção central do poema consistiu em substituir, seja a mitologia clássica, sejam as lendas nacionais, pelas concepções iniciáticas, assim inscrevendo as origens do Brasil não no plano humano e histórico em que afinal todas as epopéias convencionais desembocam, mas no plano mais alto do universo estelar. No glossário do poema, ele classificava desta maneira a noção do “Ciclo brasileiro”:

Com a chegada dos Lusos (1500) a cadeia da Atlântida interrompida desde a submersão de Poseidonis, toca seus últimos elos, impercebidamente. Volve ao Brasil bruxuleante vestígio da Tradição atlante-ibera. — O Brasil tem por missão histórica espargir no Orbe ensinamentos pacifistas, homogeneizando as Raças humanas, formando o tipo sintético da Espécie. No próximo século iniciar-se-á o Ciclo do Brasil.

Na sua cosmogonia, Dario Veloso adota a idéia de A. Sergipe quanto às origens do Homem na raça negra:

A Raça de azeviche que, primeira
Da espécie humana, o Globo dominou (...)

a concepção do poema sendo que, com o desaparecimento de Poseidonis, última ilha da Atlântida, salvam-se um sábio e dois discípulos; aportando no Brasil aliam-se ao Tamoio da Guanabara e levam finalmente a palavra sagrada até aos Incas do Peru. Eis a chegada ao Brasil, elo predestinado na obra civilizadora da Atlântida:

Mais perto a terra do Brasil verdeja...
Antes da noite chegaria à plaga
O frágil lenho que no mar veleja.

Há no ambiente aroma que embriaga,
A carícia da terra donairosa,
A canção das palmeiras sobre a vaga.

— Que te pode igualar, Terra ditosa?!
(.............................................................)
Acentua-se a curva da baía...

— Guanabara! — a mais linda do Universo!
Perene a primavera, a noite um dia;
Estelário do Eterno em linfa imerso.

Os peregrinos partem, afinal, para o Peru através da Amazônia, “Canaã que ainda espera seu povo”, dizia Alfredo Ladislau em Terra Imatura, em linguagem não menos carregada de misticismo. Foi ele que lançou a idéia da “cobiça internacional”, destinada a popularidade que se conhece:

Diante desta grande milionária, permanecemos como usurários desprezíveis, sem o ânimo de usufruí-la, consentindo, todavia, na espoliação dos seus tesouros nativos, mau grado o constante receio de que ela nos seja, um dia, arrebatada por uma raça qualquer, mais poderosa e apta a dar-lhe todo o progresso que ela merece.


Wilson Martins
História da Inteligência Brasileira
vol. VII (1933-1960)
Cultrix. Editora da Universidade de São Paulo.
São Paulo, SP.
1978.