domingo, 4 de novembro de 2012

MACHADO



Auto-retrato

Acusas-me de pouco confiante em ti? Tens e não tens razão: confiante sou; mas se te não contei nada é porque não valia a pena contar. A minha história passada do coração resume-se em dois capítulos: um amor, não correspondido; outro, correspondido. Do primeiro nada tenho que dizer; do outro não me queixo: fui eu o primeiro a rompê-lo. Não me acuses por isso; há situações que se não prolongam sem sofrimento. Uma senhora de minha amizade obrigou-me, com os seus conselhos, a rasgar a página desse romance sombrio; fi-lo com dor, mas sem remorso. Eis tudo.

(Carta a Carolina)

Hoje mesmo, neste dia de Natal, li no “Jornal do Comércio” o seu primeiro artigo sobre Leopardi, de que gostei muito, e espero o resto. Leopardi é um dos santos da minha igreja, pelos versos, pela filosofia, e pode ser que por alguma afinação moral; é provável que também eu tenha a minha corcundinha.

(Carta a Magalhães de Azeredo)

O mal-estar de espírito a que se refere não se corrige por vontade nem há conselho que o remova, creio; mas, se um enfermo pode mostrar a outro o espelho do seu próprio mal, conseguirá alguma coisa. Também eu tenho desses estados de alma e cá os venço como posso, sem animações de esposa nem riso de filhos. Veja se exclui todo o presente, passado e futuro, e fixe um só tempo que compreenda os três: “Prometeu”. A arte é o remédio e o melhor deles.

(Carta a Mário de Alencar)

Eu, meu querido amigo, vou andando como posso, já um pouco fraco e com temor de perder os olhos se me der a longos trabalhos. Já não trabalho de noite. Ainda assim, posso fazer-lhe uma confidência: escrevi ano passado um livro, que deve estar impresso agora em França. Duas ou três pessoas sabem disso aqui, e, por uma delas, o Magalhães de Azeredo (em Roma).

(Carta a Joaquim Nabuco)


Josué Montello
em Machado de Assis
Verbo. Lisboa. 1972.