Auto-retrato
Acusas-me
de pouco confiante em ti? Tens e não tens razão: confiante sou; mas se te não
contei nada é porque não valia a pena contar. A minha história passada do
coração resume-se em dois capítulos: um amor, não correspondido; outro,
correspondido. Do primeiro nada tenho que dizer; do outro não me queixo: fui eu
o primeiro a rompê-lo. Não me acuses por isso; há situações que se não
prolongam sem sofrimento. Uma senhora de minha amizade obrigou-me, com os seus
conselhos, a rasgar a página desse romance sombrio; fi-lo com dor, mas sem
remorso. Eis tudo.
(Carta
a Carolina)
Hoje
mesmo, neste dia de Natal, li no “Jornal do Comércio” o seu primeiro artigo
sobre Leopardi, de que gostei muito, e espero o resto. Leopardi é um dos santos
da minha igreja, pelos versos, pela filosofia, e pode ser que por alguma
afinação moral; é provável que também eu tenha a minha corcundinha.
(Carta
a Magalhães de Azeredo)
O
mal-estar de espírito a que se refere não se corrige por vontade nem há
conselho que o remova, creio; mas, se um enfermo pode mostrar a outro o espelho
do seu próprio mal, conseguirá alguma coisa. Também eu tenho desses estados de
alma e cá os venço como posso, sem animações de esposa nem riso de filhos. Veja
se exclui todo o presente, passado e futuro, e fixe um só tempo que compreenda
os três: “Prometeu”. A arte é o remédio e o melhor deles.
(Carta
a Mário de Alencar)
Eu,
meu querido amigo, vou andando como posso, já um pouco fraco e com temor de
perder os olhos se me der a longos trabalhos. Já não trabalho de noite. Ainda
assim, posso fazer-lhe uma confidência: escrevi ano passado um livro, que deve
estar impresso agora em França. Duas ou três pessoas sabem disso aqui, e, por
uma delas, o Magalhães de Azeredo (em Roma).
(Carta
a Joaquim Nabuco)
Josué
Montello
em
Machado de Assis
Verbo. Lisboa. 1972.