sexta-feira, 12 de outubro de 2012

GR



Do ponto de vista existencialista, a desgraça humana radica no fato de sermos temporais, pensa Jean-Paul Sartre  na sua interpretação da temporalidade em William Faulkner. Segundo ele, o que o escritor americano descobre não é esse ponto de interseção ideal entre o passado e o futuro, mas um presente essencialmente catastrófico. Nesse seu tempo narrativo d’O Som e a Fúria, ‘nada sucede, a história jamais se desenrola.” O futuro não existe para além desse presente detido: nulo e, ao mesmo tempo aniquilante. Em termos dialéticos sartreanos, esse tempo  (d)escrito por Faulkner é “imobilidade fugidia”. Essa vida cheia de ruído e de fúria é, também, o reductum absurdum de toda experiência humana. O seu desespero existencial antecipa-se a toda e qualquer metafísica; noutras palavras emanadas destas “narrativas” imóveis, o futuro está vedado para todos nós... No seu exempla de Situations I  —  adquirido em Paris (l948) , segundo anota na página inicial — JGR faz algumas marginálias. Marca, inclusive, este trecho: “O passado ganha aí  [em Faulkner] uma espécie de super-realidade: os contornos são duros e nítidos, imutáveis; o presente, inominável e fugitivo, defende-se mal contra ele; está cheio de buracos, e por esses buracos, as coisas passadas invadem-no, fixas, imóveis, silenciosas como juízes ou, ainda, com o olhar.”

Durante o seu “pacto” frustrado, Riobaldo, no ermo do lugar e com o frio que o reduz a mero ponto de dúvida, ele fica esvaziado no íntimo de sua erma cronologia: “Ele tinha que vir, se existisse. Naquela hora, existia.” Hora desolada essa a do trato, e a partir da qual Riobaldo se faz insistentemente e mesma pergunta desde várias perspectivas. Primeiro, enquanto demoníaca assombração que o persegue em luta corpo-a-corpo com a consciente resolução final de ter aceito o pacto nas Veredas-Mortas: “O aquilo.  (...) Declaro ao senhor: hora chegada.” Depois, como revelação ao ver a Maior Alegria concentrar-se nos olhos risonhos de Diadorim; ou seja, o-que-há, o que existe: “Pensei; quase disse. Aquilo durou o de um pingo no ar. Eu havia de? E por último, à maneira negativa e trágica do abismo espantoso:  “Despresenciei. Aquilo foi um buracão de tempo.”

Para o tempo pensado que impregna essa essência baldia, como o bergsoniano, a temporalidade é a condição fundamental da ação. Não havendo esta, estaríamos perante uma inversão que almejasse espacializar o tempo. Nesse processo  neato, julga Henri Bergson, toda representação espacial do tempo implica uma metafísica inevitável, diferente, e que é “a metafísica natural do espírito que especula sobre o devir.” O filósofo francês pede para não ser considerado um metafísico, caso chamarem assim os homens das construções dialéticas. Constatar não é construir; a construção dialética, julga ele, foi feita por Platão, que considerava o tempo enquanto privação de eternidade. As figuras roseanas, no entanto, não se privam dessa brevidade cósmica que é, a um tempo, imóvel e fugaz.

No relato desse deserto espiritual que é o grande sertão, o tempo destituído de vazão fica estagnado ali mesmo, como Riobaldo diz,  remando vida solta: “Sertão estes seus vazios.” Se a experiência iniciática carece de continuum, aquela pela qual o poeta-jagunço peleja denodadamente é: Só a continuação de airagem, trastejo, trançar o vazio.” Mais ainda..., as tribulações apocalípticas não o inquietam, mesmo sob o céu botando mais nuvens: “Que modo que senseei, do vazio do tempo em redor — e que eu entredisse: —  ‘o sertão vem?’ Vinha.”

Nas entrelinhas tortuosas dos seus textos, JGR foi lapidar na equação da sua proposta enquanto “ato de não”. A negatividade intrínseca a esse ato — dialético e dalgum efêmero modo totalizador — é uma visão mística inquestionável. Uma ofuscante revelação de imagens que se apresentam sob a luz obscura dos seus enigmas.


Héctor Olea
O Professor Riobaldo: um Novo Místico da Poetagem
Ateliê Editorial. Cotia, SP. Oficina do Livro Rubens Borba de Morais.

São Paulo, SP. 2006.