Do ponto de vista
existencialista, a desgraça humana radica no fato de sermos temporais, pensa
Jean-Paul Sartre na sua interpretação da
temporalidade em William Faulkner. Segundo ele, o que o escritor americano
descobre não é esse ponto de interseção
ideal entre o passado e o futuro, mas um presente essencialmente catastrófico. Nesse seu tempo narrativo
d’O Som e a Fúria, ‘nada sucede, a história jamais se desenrola.” O futuro não
existe para além desse presente detido: nulo e, ao mesmo tempo aniquilante. Em
termos dialéticos sartreanos, esse tempo
(d)escrito por Faulkner é “imobilidade
fugidia”. Essa vida cheia de ruído e de fúria é, também, o reductum absurdum de toda experiência
humana. O seu desespero existencial antecipa-se a toda e qualquer metafísica;
noutras palavras emanadas destas “narrativas” imóveis, o futuro está vedado
para todos nós... No seu exempla de Situations
I — adquirido em Paris (l948) , segundo anota na
página inicial — JGR faz algumas marginálias. Marca, inclusive, este trecho: “O
passado ganha aí [em Faulkner] uma
espécie de super-realidade: os contornos são duros e nítidos, imutáveis; o
presente, inominável e fugitivo, defende-se mal contra ele; está cheio de buracos, e por esses buracos, as coisas passadas invadem-no,
fixas, imóveis, silenciosas como juízes ou, ainda, com o olhar.”
Durante o seu “pacto” frustrado,
Riobaldo, no ermo do lugar e com o frio que o reduz a mero ponto de dúvida, ele
fica esvaziado no íntimo de sua erma cronologia: “Ele tinha que vir, se
existisse. Naquela hora, existia.” Hora desolada essa a do trato, e a
partir da qual Riobaldo se faz insistentemente e mesma pergunta desde várias
perspectivas. Primeiro, enquanto demoníaca assombração que o persegue em luta
corpo-a-corpo com a consciente resolução final de ter aceito o pacto nas
Veredas-Mortas: “O aquilo. (...) Declaro
ao senhor: hora chegada.” Depois, como revelação ao ver a Maior Alegria
concentrar-se nos olhos risonhos de Diadorim; ou seja, o-que-há, o que existe: “Pensei;
quase disse. Aquilo durou o de um pingo no ar. Eu havia de? E por último, à
maneira negativa e trágica do abismo
espantoso: “Despresenciei. Aquilo
foi um buracão de tempo.”
Para o tempo pensado que impregna
essa essência baldia, como o bergsoniano, a temporalidade é a condição
fundamental da ação. Não havendo esta, estaríamos perante uma inversão que
almejasse espacializar o tempo.
Nesse processo neato, julga Henri
Bergson, toda representação espacial do tempo implica uma metafísica inevitável,
diferente, e que é “a metafísica natural do espírito que especula sobre o
devir.” O filósofo francês pede para não ser considerado um metafísico, caso chamarem assim os homens das
construções dialéticas. Constatar não é construir; a construção dialética,
julga ele, foi feita por Platão, que considerava o tempo enquanto privação de eternidade. As figuras
roseanas, no entanto, não se privam dessa brevidade cósmica que é, a um tempo, imóvel e fugaz.
No
relato desse deserto espiritual que é o grande sertão, o tempo destituído de
vazão fica estagnado ali mesmo, como Riobaldo diz, remando
vida solta: “Sertão estes seus
vazios.” Se a experiência iniciática carece de continuum, aquela pela qual o poeta-jagunço peleja denodadamente é:
Só a continuação de airagem, trastejo,
trançar o vazio.” Mais ainda..., as tribulações apocalípticas não o inquietam,
mesmo sob o céu botando mais nuvens: “Que modo que senseei, do vazio do tempo
em redor — e que eu entredisse: — ‘o sertão vem?’ Vinha.”
Nas entrelinhas tortuosas dos
seus textos, JGR foi lapidar na equação da sua proposta enquanto “ato de não”. A negatividade intrínseca
a esse ato — dialético e dalgum efêmero modo totalizador — é uma visão mística
inquestionável. Uma ofuscante revelação de imagens que se apresentam sob a luz
obscura dos seus enigmas.
Héctor Olea
O Professor Riobaldo: um Novo Místico
da Poetagem
Ateliê Editorial. Cotia, SP.
Oficina do Livro Rubens Borba de Morais.
São Paulo, SP. 2006.