quarta-feira, 10 de outubro de 2012

MACHADO



Era urgente concluir esses estudos de grau superior, que os casamentos aguardavam... (Se o noivo fosse discreto e a noiva herdeira rica, cumpriria ao rapaz propor que se fizesse “escritura de separação de bens”, com a esperança talvez, fiado no amor da moça, de que ela não concordasse com essa medida de prudência.)

Quase todos os futuros bacharéis ou os médicos futuros tinham as suas namoradas, à espera do pedido, no que pesasse a opinião de uma D. Joaquina Aguiar, segundo a qual uma noiva só devia conhecer o noivo no dia do casamento, “e já é conceder muito”.

Os pedidos se faziam naturalmente ao pai da moça, e, se esta fosse viúva, como era o caso de Lívia, na presença de um parente de responsabilidade; Estácio preferiria recorrer a uma carta, para pedir a mão de Eugênia.

A noiva, comprometida, gastaria boa parte dos pensamentos diários imaginando a cerimônia do consórcio, legalmente celebrado perante a câmara eclesiástica e sacramentado na igreja: “as carruagens — ou antes, todo o préstito: “cavalos brancos, arreios finos, cocheiros de libré, coisa bonita” — o apuro do noivo, a sua própria graça, a coroa de flores de laranjeira, que a havia de adornar; enfim talhava já o vestido branco e pregava as rendas de Malines com que havia de levar os olhos a ambas as metades do gênero humano”.”

As “cartas de participação”, enquanto isso, iriam circulando, e a noiva sempre a  “idealizar as suas “bodas de estronto”. Veria “mais de um dignitário de Estado inclinar-se diante dela, e dar-lhe os parabéns. Os mais célebres colos da cidade” far-lhe-iam corte. “Equipagens ricas, cavalos briosos, atirando as patas com vagar e graça, pela chácara dentro, muitas librés particulares, flores, luzes; fora na rua, a multidão olhando.” (Para júbilo do noivo, lado a lado com a esposa viria o prazer de um “dote”, que talvez lhe fosse entregue “sob a forma de bons prédios”.)

O fecho do devaneio seria a surpresa de ser recebida em casa, de volta da igreja, por “um dilúvio de folhas de rosa”, atiradas pelas escravas.

As noivas, como as de hoje, vestiam-se de branco; mas Fidélia, por seu estado de viúva, haveria de vestir-se com roupa escura e afogada, em seu segundo casamento, “as mangas presas nos pulsos por botões de granada, e o gesto grave”: casar-se-ia “ao meio-dia em ponto, na matriz da Glória, poucas pessoas, muita comoção”.

Depois das bodas, muita vez, jantar e baile.

Passada a lua de mel, em lugares aprazíveis  —  Petrópolis, por exemplo, ou, o que era mais freqüente, Tijuca  — , ou em viagens mais audaciosas e longínquas (Carlos Maria e Maria Benedita gozariam três meses de Europa), a vida do novo par estaria consolidada para o desfruto dos prazeres da família e do amor conjugal, não poucas vezes em quartos separados, quando não adviessem brigas e divórcios ou desquites.

Daqueles doces momentos de noivado e matrimônio guardar-se-iam retratos no sigilo das gavetas ou exibidos nas paredes, quando não sobre mesinhas, belamente encaixilhados, ou em álbuns: em vez de telas ou desenhos, ou de miniaturas — o que “nem era já aplicação sensata da arte das imagens “depois do daguerreótipo, então em plena posse de ambos os mundos” —, fotografias autênticas.

A fotografia era a documentação fiel dos momentos solenes da vida: “Tempo há de vir —  observava o Conselheiro Aires — em que a fotografia entrará no quarto dos moribundos para lhes fixar os últimos instantes, e se ocorrer maior intimidade entrará também.”


Miécio Táti
O Mundo de Machado de Assis
O Rio de Janeiro na obra de Machado de Assis
Estado da Guanabara. Secretaria de Estado da Educação e Cultura.
1961.