Era urgente concluir esses
estudos de grau superior, que os casamentos aguardavam... (Se o noivo fosse
discreto e a noiva herdeira rica, cumpriria ao rapaz propor que se fizesse
“escritura de separação de bens”, com a esperança talvez, fiado no amor da
moça, de que ela não concordasse com essa medida de prudência.)
Quase todos os futuros bacharéis
ou os médicos futuros tinham as suas namoradas, à espera do pedido, no que
pesasse a opinião de uma D. Joaquina Aguiar, segundo a qual uma noiva só devia conhecer
o noivo no dia do casamento, “e já é conceder muito”.
Os pedidos se faziam naturalmente
ao pai da moça, e, se esta fosse viúva, como era o caso de Lívia, na presença
de um parente de responsabilidade; Estácio preferiria recorrer a uma carta,
para pedir a mão de Eugênia.
A noiva, comprometida, gastaria
boa parte dos pensamentos diários imaginando a cerimônia do consórcio,
legalmente celebrado perante a câmara eclesiástica e sacramentado na igreja:
“as carruagens — ou antes, todo o préstito: “cavalos brancos, arreios finos,
cocheiros de libré, coisa bonita” — o apuro do noivo, a sua própria graça, a
coroa de flores de laranjeira, que a havia de adornar; enfim talhava já o
vestido branco e pregava as rendas de Malines com que havia de levar os olhos a
ambas as metades do gênero humano”.”
As “cartas de participação”,
enquanto isso, iriam circulando, e a noiva sempre a “idealizar as suas “bodas de estronto”. Veria
“mais de um dignitário de Estado inclinar-se diante dela, e dar-lhe os
parabéns. Os mais célebres colos da cidade” far-lhe-iam corte. “Equipagens
ricas, cavalos briosos, atirando as patas com vagar e graça, pela chácara
dentro, muitas librés particulares, flores, luzes; fora na rua, a multidão
olhando.” (Para júbilo do noivo, lado a lado com a esposa viria o prazer de um
“dote”, que talvez lhe fosse entregue “sob a forma de bons prédios”.)
O fecho do devaneio seria a
surpresa de ser recebida em casa, de volta da igreja, por “um dilúvio de folhas
de rosa”, atiradas pelas escravas.
As noivas, como as de hoje,
vestiam-se de branco; mas Fidélia, por seu estado de viúva, haveria de
vestir-se com roupa escura e afogada, em seu segundo casamento, “as mangas
presas nos pulsos por botões de granada, e o gesto grave”: casar-se-ia “ao
meio-dia em ponto, na matriz da Glória, poucas pessoas, muita comoção”.
Depois das bodas, muita vez, jantar
e baile.
Passada a lua de mel, em lugares
aprazíveis — Petrópolis, por exemplo, ou, o que era mais
freqüente, Tijuca — , ou em viagens mais
audaciosas e longínquas (Carlos Maria e Maria Benedita gozariam três meses de
Europa), a vida do novo par estaria consolidada para o desfruto dos prazeres da
família e do amor conjugal, não poucas vezes em quartos separados, quando não
adviessem brigas e divórcios ou desquites.
Daqueles doces momentos de
noivado e matrimônio guardar-se-iam retratos no sigilo das gavetas ou exibidos
nas paredes, quando não sobre mesinhas, belamente encaixilhados, ou em álbuns:
em vez de telas ou desenhos, ou de miniaturas — o que “nem era já aplicação
sensata da arte das imagens “depois do daguerreótipo, então em plena posse de ambos
os mundos” —, fotografias autênticas.
A fotografia era a documentação
fiel dos momentos solenes da vida: “Tempo há de vir — observava o Conselheiro Aires — em que a
fotografia entrará no quarto dos moribundos para lhes fixar os últimos
instantes, e se ocorrer maior intimidade entrará também.”
Miécio Táti
O Mundo de Machado de Assis
O Rio de Janeiro na obra de
Machado de Assis
Estado da Guanabara. Secretaria
de Estado da Educação e Cultura.
1961.