Os
Novos Retratos do Brasil
O
debate religioso era apenas um dos aspectos por que a consciência coletiva
traduzia instintivamente o sentimento de que um novo Brasil devia emergir das
crises de 1930 e 1932. Se, como ficou assinalado, a Constituição de 1934
configurou-se, afinal, como um melancólico malogro político, a Constituinte, ao
contrário, parecia inscrever-se na atmosfera
de reavaliação da realidade brasileira , a essa altura refletida em
livros tão diversos como, no campo da criação literária propriamente dita, Banguê e Essa Negra Fulô!, de Jorge de Lima; Samba, de Orestes Barbosa; Urucungo,
de Raul Bopp; Noroeste e Outros Poemas do Brasil, que Ribeiro
Couto publicava simultaneamente com Província
(impresso em Coimbra) e a coletânea de contos Clube das Esposas Enganadas, a que podemos acrescentar a
significativa reedição de A Ilusão
Americana, de Eduardo Prado, com prefácio de Augusto Frederico Schmidt; Terra Imatura, de Alfredo Ladislau, em
terceira edição; Terra de Ninguém, de
Albertino Moreira; Casa Grande &
Senzala, de Gilberto Freire; Fórmula
da Civilização Brasileira, de Aníbal Falcão (1859-1900), e a Introdução à Realidade Brasileira, de
Afonso Arinos de Melo Franco.
De
fato, nunca se falou tanto em realidade
brasileira como nessa época — cada um, claro está, vendo-a de maneira diferente.
Afonso Arinos começava com a declaração ao mesmo tempo juvenil e inquietante de
que havia “conquistado a verdade”, convicção igualmente partilhada por todos os
ideólogos do momento. Levado pela lógica dos fatos, que não raro desvenda o
artifício todo arbitrário da lógica das convicções, Afonso Arinos acentuava, a
certa altura, que “uma doutrina falsa pode conquistar o mundo pelas mesmas vias
que uma doutrina verdadeira”, o que significa serem “falsas” ou “verdadeiras”
as doutrinas que como tais reputamos. Desde o século XVII, o teatro de Molière
havia revelado aos teólogos escandalizados “cette
ressemblance du vice avec la vertu”, e, em 1963, o insuspeito François
Mauriac concluía que, no Tartufo, não
é a canalhice do falso devoto que testemunha contra a religião, mas a tolice do
verdadeiro devoto. A “verdade” não é apenas relativa: ela é também movediça,
múltipla e fragmentária.
Wilson
Martins
História
da Inteligência Brasileira
vol.
VII (1933-1960)
Cultrix.
São Paulo, SP. Editora da Universidade de
São
Paulo. São Paulo, SP.
1ª
edição. 1979.