quarta-feira, 3 de outubro de 2012

HOMENAGEM



AA (Antônio Vieira / Luís de Gôngora / Juan de la Cruz / Garcilaso de la Vega / Oswald de Andrade)

1

Os Remédios do Amor e o Amor sem Remédio são as quatro coisas e uma só
O primeiro remédio é o tempo
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba
Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera?
São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito
São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas
Por isso os antigos sabiamente pintaram o Amor menino, porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho
De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo
Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira
Embota-lhe as setas, com que já não fere
Abre-lhe os olhos, com que vê o que não via
E faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge
Y sólo de el Amor queda el veneno

2

O segundo Remédio do Amor é a ausência
Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar, o amor com a da terra
É o Amor como a lua, que em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado
E que terra há que não seja a terra do esquecimento,
se vos passastes a outra terra?
Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar e que se pode esperar dos ausentes?
Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão?
Em os longes passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do Amor
Estes poderes tem a vice-morte, a ausência
Os que muito se amaram apartaram-se enfim: e se tomardes logo o pulso ao mais enternecido,
Achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas e que saem da boca alguns suspiros que são as últimas respirações do amor
Mas se tornardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis? 
Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado
Y la más fuerte conquista
En escuro se hacía

3

O terceiro remédio do amor é a ingratidão
e ferido o amor no cérebro e ferido no coração, como pode viver?
Quien suffrira tan áspera mudança
Del bien al mal? O coraçon cansado?

4

É pois o quarto e último remédio do Amor e com o qual  ninguém deixou de sarar o melhorar de objeto
Dizem que um amor com outro se paga e mais certo é que um amor com outro se apaga
Grande coisa deve ser o amor, pois sendo assim que não bastam a encher um coração mil mundos não cabem em um coração dois amores
Se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar,
Sempre fica a vitória pelo melhor objeto
O maior contrário de uma luz é outra luz maior
As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol que é luz maior desaparecem as estrelas
O mesmo lhe sucede ao amor por grande e estremado que seja
Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor
Amor                                                                          Humor                


Affonso Ávila
O Visto e o Imaginado
Perspectiva. Edusp. São Paulo, SP.
1990.