AA
(Antônio Vieira / Luís de Gôngora / Juan de la Cruz / Garcilaso de la Vega /
Oswald de Andrade)
1
Os
Remédios do Amor e o Amor sem Remédio são as quatro coisas e uma só
O
primeiro remédio é o tempo
Tudo
cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba
Atreve-se
o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera?
São
as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar
pouco, que terem durado muito
São
como as linhas que partem do centro para a circunferência, que quanto mais
continuadas, tanto menos unidas
Por
isso os antigos sabiamente pintaram o Amor menino, porque não há amor tão
robusto que chegue a ser velho
De
todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo
Afrouxa-lhe
o arco, com que já não tira
Embota-lhe
as setas, com que já não fere
Abre-lhe
os olhos, com que vê o que não via
E
faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge
Y
sólo de el Amor queda el veneno
2
O
segundo Remédio do Amor é a ausência
Muitas
enfermidades se curam só com a mudança do ar, o amor com a da terra
É
o Amor como a lua, que em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado
E
que terra há que não seja a terra do esquecimento,
se
vos passastes a outra terra?
Se
os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos,
que podem esperar e que se pode esperar dos ausentes?
Se
quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão?
Em
os longes passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do Amor
Estes
poderes tem a vice-morte, a ausência
Os
que muito se amaram apartaram-se enfim: e se tomardes logo o pulso ao mais
enternecido,
Achareis
que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas e que
saem da boca alguns suspiros que são as últimas respirações do amor
Mas
se tornardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis?
Os
olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado
Y
la más fuerte conquista
En
escuro se hacía
3
O
terceiro remédio do amor é a ingratidão
e
ferido o amor no cérebro e ferido no coração, como pode viver?
Quien
suffrira tan áspera mudança
Del
bien al mal? O coraçon cansado?
4
É
pois o quarto e último remédio do Amor e com o qual ninguém deixou de sarar o melhorar de objeto
Dizem
que um amor com outro se paga e mais certo é que um amor com outro se apaga
Grande
coisa deve ser o amor, pois sendo assim que não bastam a encher um coração mil
mundos não cabem em um coração dois amores
Se
acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar,
Sempre
fica a vitória pelo melhor objeto
O
maior contrário de uma luz é outra luz maior
As
estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol
que é luz maior desaparecem as estrelas
O
mesmo lhe sucede ao amor por grande e estremado que seja
Em
aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor
Amor Humor
Affonso
Ávila
O
Visto e o Imaginado
Perspectiva.
Edusp. São Paulo, SP.
1990.