Compadre
meu Quelemém me hospedou, deixou meu
contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme
paciência — calma de que minha dor
passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha,
assaz.
Mas,
por fim, eu tomei coragem, e tudo perguntei:
—
“O senhor acha que a minha alma eu vendi, pactário?!”
Então
ele sorriu, o pronto sincero, e me vale me respondeu:
—
“Tem cisma não. Pensa para diante. Comprar ou vender, às vezes, são as ações
que são as quase iguais...”
E
me cerro, aqui, mire e veja. Isto não é o de um relatar passagens de sua vida,
em toda admiração. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras.
Cerro.
O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice
vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. O Rio de São Francisco — que de
tão grande se comparece — parece é um pau grosso, em pé, enorme... Amável o
senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O
senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há!
É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.
∞
João
Guimarães Rosa
Grande
Sertão: Veredas
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.