quinta-feira, 18 de outubro de 2012

DE DIANTE PRA TRÁS



Compadre meu Quelemém me hospedou, deixou  meu contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência —  calma de que minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha, assaz.

Mas, por fim, eu tomei coragem, e tudo perguntei:

— “O senhor acha que a minha alma eu vendi, pactário?!”

Então ele sorriu, o pronto sincero, e me vale me respondeu:

— “Tem cisma não. Pensa para diante. Comprar ou vender, às vezes, são as ações que são as quase iguais...”

E me cerro, aqui, mire e veja. Isto não é o de um relatar passagens de sua vida, em toda admiração. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras.

Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. O Rio de São Francisco — que de tão grande se comparece — parece é um pau grosso, em pé, enorme... Amável o senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.


                                    


João Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas
José Olympio. Rio de Janeiro.
1ª edição. 1956.