[...] A sanção sofrida pelos professores e
pesquisadores punidos pelo AI-5 tem uma característica profundamente injusta e
diabolicamente cruel: ela é total e perpétua.
É total porque os aposentados
pelo nefando Ato foram, pelo Ato Complementar nº 77 de 22 de outubro de 1969,
proibidos de, a qualquer título, exercer qualquer atividade em instituições de
ensino ou pesquisa oficiais ou que recebessem qualquer subvenção oficial, isto
é, praticamente todos os estabelecimentos dessa natureza no Brasil.
Fecharam-se todas as portas às
suas vítimas.
Esse ato complementar, que é uma
obra prima de maldade, teve sua legitimidade contestada pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, baseada em bem fundamentado parecer
jurídico, mas foi amplamente aplicado em todas as Universidades brasileiras.
A sanção é perpétua porque não
teve sua vigência limitada, ao contrário da suspensão dos direitos políticos
que foi restrita a 10 anos.
Em conseqüência vemos diariamente
políticos cassados voltarem à atividade partidária e mesmo concorrerem a
eleições, muitos deles conquistando mandatos populares.
Atualmente no Brasil não há mais
prisões perpétuas, extinguiu-se a pena de morte, aboliu-se o banimento.
Mas os professores e os pesquisadores
científicos continuam impedidos de exercer suas atividades, em claro
desrespeito a um dos mais sagrados direitos humanos: o direito ao trabalho.
A singularidade desta pena cria
situações extremamente anômalas como a do eminente Professor Fernando Henrique
Cardoso, que, tendo sido aposentado como docente da Universidade de São Paulo e
tido seus direitos políticos cassados, foi eleito a 15 de novembro suplente do
Senador Franco Montoro. Poderá, então, se convocado para exercer a senatoria
falar a todo o povo brasileiro da mais alta tribuna, o Senado Federal, mas
continuará impedido de lecionar a meia dúzia de alunos dentro de uma sala de
aula.
O mesmo poderá acontecer ao nosso
querido Professor Edgar de Godói da Mata-Machado, que recentemente filiado ao
Movimento Democrático Brasileiro, se o quiser, conquistará sem dúvida, na
primeira eleição, um mandato eletivo, mas permanecerá afastado de sua Faculdade
de Direito, que tanto honrou, caso persista a situação atual.
Cabe aqui uma pergunta: serão os
professores tão terrivelmente mais perigosos à segurança nacional que os
políticos?
A inexplicável e extrema
severidade, digamos mesmo crueldade, das sanções impostas aos intelectuais fez
com que, em grande número, buscassem em países estrangeiros a oportunidade de
sobrevivência que lhes era negada no Brasil e hoje ocupam cargos de grande
responsabilidade em instituições de importância mundial, como o Instituto
Pasteur de Paris, O Instituto Rockefeller de Nova York, a Organização Mundial
de Saúde e várias universidades da Europa e da América.
Apesar disso, muitos deles, senão
todos, desejam ardentemente regressar à Pátria, mas como fazê-lo se aqui lhes
são negados os simples meios de subsistência e mesmo o indispensável
passaporte?
Não seriam esses homens úteis ao
Brasil, como o são a outros países? Ou será que a Revolução, como a sua
congênere francesa, não precisa de sábios? [...]
[...] Embora tenha sido para mim
motivo de viva alegria e imenso conforto, não me causou qualquer surpresa a
atitude do Instituto de Ciências Biológicas , através da sua Congregação,
conferindo-me o título de Professor Emérito, o mais alto que pode almejar um
velho professor universitário aposentado.
Não me surpreendeu porque conheço
bem meus colegas. Deles tenho recebido desde os torvos dias de setembro de 1969
as mais claras provas de solidariedade, ainda em plena vigência do regime de
denúncias, delações, vinganças e perseguições, movidas pelo ódio e pela inveja,
que caracterizou aquele negro período de nossa história, quando os punidos pelo
sistema eram considerados tabu, mais perigosos que os leprosos na Idade Média
ou os judeus durante o terror nazista e cuja simples aproximação poderia
constituir grave risco. [...]
[...] Tive a suprema ventura de
participar da luta vitoriosa contra o terror nazi-fascista nos campos de
batalha da Itália, junto com os meus companheiros da Força Expedicionária Brasileira [...]
Prof. Amílcar Vianna Martins
Pela Democracia, por uma
Sociedade Humana
Discurso por ocasião do recebimento
do título de
Professor Emérito da UFMG
Vega. Belo Horizonte. 1979.