quarta-feira, 18 de julho de 2012

OS INCONFIDENTES



Carta-denúncia de Basílio de Brito Malheiro do Lago.
(FINAL)

Tenho exposto a Vossa Excelência tudo o que tenho alcançado, pela obrigação que tenho de vassalo, e o sou muito leal e honrado; e além da obrigação de vassalo, por natureza sou apaixonado pelo meu Príncipe, pelos meus Generais e por todo o homem de bem.

Eu não quero outro prêmio, por qualquer trabalho que possa ter em utilidade do Estado, mais do que a minha Soberana e Vossa Excelência conheçam que sou o vassalo mais leal que podem desejar nestas conquistas, das quais me desejo ver fora delas pela inconstância que vejo nos seus habitadores.

Lembro-me mais: Que um moço do Rio das Mortes, digo das Congonhas do Campo, que andou em Coimbra e diz que está para ir para Portugal a ler no Desembargo do Paço para se despachar, cujo moço é filho do G.M. das Congonhas do Campo Manuel José de tal, a este moço ouvi dizer que um moço chamado Claro de tal, ou fulano Claro, o qual é sobrinho do Pe. Carlos Correia, vigário de São José do Rio das Mortes, e mora em Taubaté na Capitania de São Paulo; o tal Claro, disse o outro, que apanhara o Cônego Luís Vieira, o Coronel Alvarenga, o Dr. Cláudio, o Dr. Gonzaga, o Tiradentes e outros, a falar em um levante que está para se fazer nas Minas; e o Claro já foi para Taubaté; e julgo que o mandariam os tais para ele não falar alguma coisa; e o outro das Congonhas viu o Tiradentes, e eu também vi e julgo que viu a maior parte da gente de Vila Rica, com uma lista de todas as almas que tem esta Capitania, que o Tiradentes trazia na algibeira e a mostrava sem temor. E era perto de quatrocentas mil pessoas divididas pelas suas respectivas classes, brancos, pardos, e negros, machos e fêmeas; esta lista parece-me que lha deu o Sargento-Mor José Joaquim da Rocha; e quando o Tiradentes a mostrava dizia aflito: “Ora aqui tem todo este povo açoitado por um só homem, e nós a chorarmos como os negros, ai, ai; e de três em três anos, vem um e leva um milhão, e os criados levam outro tanto; e como hão de passar os pobres filhos da América? Se fosse outra nação já se tinha levantado”; a isto, disse o tal moço das Congonhas: “Vosmecê fala assim em levante? Se fosse em Portugal, Deus nos livre que tal se soubesse”, ao que o Tiradentes respondeu cheio de paixão: “Não diga levantar, é restaurar”, e repetiu umas poucas de vezes estas palavras; eu mesmo as ouvi.

Também, logo assim que cheguei a Vila Rica, havia pouco tempo que Vossa Excelência tinha chegado com a Excelentíssima Senhora Viscondessa; quando vinha do Serro encontrei em caminho o inglês Nicolau Jorge, que o Fiscal dos Diamantes Luís Beltrão trouxe consigo de Lisboa para o Serro Frio; e dizendo eu ao Capitão Vicente Vieira da Mota que encontrara o inglês, que ia para o Serro, disse-me o tal Mota: “Pois vai para lá uma boa fazenda. Andava por aqui falando em que o Brasil podia fazer como a América Inglesa.” E que (o mesmo inglês) perguntara a ele, dito Mota, por estas palavras: “Vossa Mercê, se os nacionais do Brasil fizerem uma república, qual partido há de seguir? O de realista, ou o de republicano?” Ao que o dito Vicente Vieira lhe respondera: “Eu sempre hei de ser pelo meu Rei!”

Isto do inglês, me contou — como levo dito — o Cap. Vicente Vieira da Mota. O Cláudio também me disse uma vez, não estou certo a que respeito se falava em Vossa Excelência: — “Fez bem de trazer a mulher e os filhos, que, se os não trouxesse...” e ficou-se.

O Côn. Luís Vieira  da Silva, também lhe ouvi dizer que “já se apanhara uma parada de V. Excia. que mandava para o Rio de Janeiro”, e que V. Excia. tirara dos cofres quarenta mil cruzados — que é o soldo de três anos — e que os mandara para Portugal. Isto já se falava quase público, que isto nas Minas é gente do Diabo. E as sementes que têm espalhado, para fazer V. Excia. odioso com o povo, são que V. Excia. trouxera instrução de Martinho de Melo para que fizesse o governo de forma que não deixasse criar a homem algum de Minas mais que dez mil cruzados; e, se não tivesse por onde lhes pegar, que os prendesse por inconfidentes e os mandasse para lá.

Também me parece que algumas pessoas, que devem grandes somas à Fazenda Real e com dinheiro desta têm feito um grande estabelecimento, de boa vontade entrarão em algum partido mau só por se verem desoneradas de pagarem a El-Rei e ficarem com casas opulentas.

Também ouvi que, na cidade de Mariana, se tinham posto uns editais, ou pasquins, que diziam: — “Tudo o que for homem do Reino há de morrer. E só ficarão algum velho e clérigos”. E que isto fora posto em nome dos calhambolas  (denominação arcaica de quilombolas). Se é assim ou não, eu o não sei.

Trnho exposto a Vossa Excelência o que tenho alcançado; e sei que assim o devia fazer em razão de ser vassalo leal e honrado. Vossa Excelência fará o que for mais útil a Sua Majestade Fidelíssima e a seus vassalos que são fiéis.
Vila Rica, 15 de abril de 1789.


Basílio de Brito Malheiro do Lago
Tenente-Coronel do Primeiro Regimento Auxiliar de Paracatu

(P. S.) Outras coisas também ouvi, ainda que ditas indiferentes; sempre é bom que Vossa Excelência as saiba. Algumas vezes disse eu ao Alvarenga: Que Vossa Excelência era mais agudo do que muitos pensavam, e que era um político muito grande; ao que o dito Alvarenga me respondia: “Anda-se ensaiando para embaixador, mas nunca o há de ser”.

E a Luís Vieira também lhe ouvi o mesmo pelas mesmas palavras como acima.


Basílio de Brito Malheiro do Lago


Reconheço a letra da Carta retro e firma supra ser feita pelo próprio punho do Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, por outras que lhe tenho visto fazer na minha presença. Vila Rica, 15 de junho de 1789.


José Caetano César Manitti