Carta-denúncia
de Basílio de Brito Malheiro do Lago.
(FINAL)
Tenho
exposto a Vossa Excelência tudo o que tenho alcançado, pela obrigação que tenho
de vassalo, e o sou muito leal e honrado; e além da obrigação de vassalo, por natureza
sou apaixonado pelo meu Príncipe, pelos meus Generais e por todo o homem de
bem.
Eu
não quero outro prêmio, por qualquer trabalho que possa ter em utilidade do
Estado, mais do que a minha Soberana e Vossa Excelência conheçam que sou o
vassalo mais leal que podem desejar nestas conquistas, das quais me desejo ver
fora delas pela inconstância que vejo nos seus habitadores.
Lembro-me
mais: Que um moço do Rio das Mortes, digo das Congonhas do Campo, que andou em
Coimbra e diz que está para ir para Portugal a ler no Desembargo do Paço para
se despachar, cujo moço é filho do G.M. das Congonhas do Campo Manuel José de
tal, a este moço ouvi dizer que um moço chamado Claro de tal, ou fulano Claro,
o qual é sobrinho do Pe. Carlos Correia, vigário de São José do Rio das Mortes,
e mora em Taubaté na Capitania de São Paulo; o tal Claro, disse o outro, que
apanhara o Cônego Luís Vieira, o Coronel Alvarenga, o Dr. Cláudio, o Dr.
Gonzaga, o Tiradentes e outros, a falar em um levante que está para se fazer
nas Minas; e o Claro já foi para Taubaté; e julgo que o mandariam os tais para
ele não falar alguma coisa; e o outro das Congonhas viu o Tiradentes, e eu
também vi e julgo que viu a maior parte da gente de Vila Rica, com uma lista de
todas as almas que tem esta Capitania, que o Tiradentes trazia na algibeira e a
mostrava sem temor. E era perto de quatrocentas mil pessoas divididas pelas
suas respectivas classes, brancos, pardos, e negros, machos e fêmeas; esta
lista parece-me que lha deu o Sargento-Mor José Joaquim da Rocha; e quando o
Tiradentes a mostrava dizia aflito: “Ora aqui tem todo este povo açoitado por
um só homem, e nós a chorarmos como os negros, ai, ai; e de três em três anos,
vem um e leva um milhão, e os criados levam outro tanto; e como hão de passar os
pobres filhos da América? Se fosse outra nação já se tinha levantado”; a isto,
disse o tal moço das Congonhas: “Vosmecê fala assim em levante? Se fosse em
Portugal, Deus nos livre que tal se soubesse”, ao que o Tiradentes respondeu
cheio de paixão: “Não diga levantar, é restaurar”, e repetiu umas poucas de
vezes estas palavras; eu mesmo as ouvi.
Também,
logo assim que cheguei a Vila Rica, havia pouco tempo que Vossa Excelência
tinha chegado com a Excelentíssima Senhora Viscondessa; quando vinha do Serro
encontrei em caminho o inglês Nicolau Jorge, que o Fiscal dos Diamantes Luís
Beltrão trouxe consigo de Lisboa para o Serro Frio; e dizendo eu ao Capitão
Vicente Vieira da Mota que encontrara o inglês, que ia para o Serro, disse-me o
tal Mota: “Pois vai para lá uma boa fazenda. Andava por aqui falando em que o
Brasil podia fazer como a América Inglesa.” E que (o mesmo inglês) perguntara a
ele, dito Mota, por estas palavras: “Vossa Mercê, se os nacionais do Brasil
fizerem uma república, qual partido há de seguir? O de realista, ou o de
republicano?” Ao que o dito Vicente Vieira lhe respondera: “Eu sempre hei de
ser pelo meu Rei!”
Isto
do inglês, me contou — como levo dito — o Cap. Vicente Vieira da Mota. O
Cláudio também me disse uma vez, não estou certo a que respeito se falava em Vossa Excelência :
— “Fez bem de trazer a mulher e os filhos, que, se os não trouxesse...” e
ficou-se.
O
Côn. Luís Vieira da Silva, também lhe
ouvi dizer que “já se apanhara uma parada de V. Excia. que mandava para o Rio
de Janeiro”, e que V. Excia. tirara dos cofres quarenta mil cruzados — que é o
soldo de três anos — e que os mandara para Portugal. Isto já se falava quase
público, que isto nas Minas é gente do Diabo. E as sementes que têm espalhado,
para fazer V. Excia. odioso com o povo, são que V. Excia. trouxera instrução de
Martinho de Melo para que fizesse o governo de forma que não deixasse criar a
homem algum de Minas mais que dez mil cruzados; e, se não tivesse por onde lhes
pegar, que os prendesse por inconfidentes e os mandasse para lá.
Também
me parece que algumas pessoas, que devem grandes somas à Fazenda Real e com
dinheiro desta têm feito um grande estabelecimento, de boa vontade entrarão em
algum partido mau só por se verem desoneradas de pagarem a El-Rei e ficarem com
casas opulentas.
Também
ouvi que, na cidade de Mariana, se tinham posto uns editais, ou pasquins, que
diziam: — “Tudo o que for homem do Reino há de morrer. E só ficarão algum velho
e clérigos”. E que isto fora posto em nome dos calhambolas (denominação arcaica de quilombolas). Se é
assim ou não, eu o não sei.
Trnho
exposto a Vossa Excelência o que tenho alcançado; e sei que assim o devia fazer
em razão de ser vassalo leal e honrado. Vossa Excelência fará o que for mais
útil a Sua Majestade Fidelíssima e a seus vassalos que são fiéis.
Vila
Rica, 15 de abril de 1789.
Basílio
de Brito Malheiro do Lago
Tenente-Coronel
do Primeiro Regimento Auxiliar de Paracatu
(P.
S.) Outras coisas também ouvi, ainda que ditas indiferentes; sempre é bom que
Vossa Excelência as saiba. Algumas vezes disse eu ao Alvarenga: Que Vossa
Excelência era mais agudo do que muitos pensavam, e que era um político muito
grande; ao que o dito Alvarenga me respondia: “Anda-se ensaiando para
embaixador, mas nunca o há de ser”.
E
a Luís Vieira também lhe ouvi o mesmo pelas mesmas palavras como acima.
Basílio
de Brito Malheiro do Lago
Reconheço
a letra da Carta retro e firma supra ser feita pelo próprio punho do
Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, por outras que lhe tenho
visto fazer na minha presença. Vila Rica, 15 de junho de 1789.
José
Caetano César Manitti