Carta-denúncia
de Joaquim Silvério dos Reis.
Cachoeira,
19-04-1789, datada de Borda do Campo, 11-04-1789.
Ilmo.
e Exmo. Sr. Visconde de Barbacena
Meu
Senhor: — Pela forçosa obrigação que
tenho de ser leal vassalo à nossa Augusta Soberana, ainda apesar de se tirar a
vida, como logo se me protestou na ocasião em que fui convidado para a
sublevação que se intenta, prontamente passei a pôr na presença de V.Excia. o
seguinte: — Em o mês de fevereiro
deste presente ano, vindo darevista do meu Regimento, encontrei no arraial da
Laje o Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo; e falando-me em que se botavam abaixo o
novos Regimentos, porque V. Excia. assim o havia dito, é verdade qe eu me
mostrei sentido e queixei-me ao sargento-mor; me tinha enganado, porque em nome
da dita Senhora se me havia dado uma patente de coronel, chefe do meu
Regimento, com o qual me tinha desvelado em o regular e fardar, e muita parte à
minha custa; e que não podia levar à paciência ver reduzido à inação o fruto do
meu desvelo, sem que eu tivesse faltas do real serviço; e juntando mais algumas
palavras em desafogo da minha paixão. Foi Deu servido que isso acontecesse para
se conhecer a falsidade que se fulmina.
No
mesmo dia viemos dormir à casa do Capitão José de Resende; e chamando-me a um
quarto particular, de noite, o dito Sargento-Mor Luís Vaz, pensando que o meu
ânimo estava disposto para seguir a nova conjuração pelos sentimentos e queixas
que me tinha ouvido, passou o dito sargento-mor a participar-me, debaixo de
todo o segredo, o seguinte:
Que
o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, primeiro cabeça da conjuração, havia
acabado o lugar de ouvidor dessa Comarca, e que, isto posto, se achava há
muitos meses nessa vila, sem se recolher a seu lugar na Bahia, com o frívolo
pretexto de um casamento, que tudo é idéia porque já se achava fabricando leis
para o novo regime da sublevação que se tinha disposto da forma seguinte:
Procurou
o dito Gonzaga o partido e união do Coronel Inácio José de Alvarenga e do Padre
José da Silva e Oliveira, e outros mais, todos filhos da América, valendo-se
para seduzir a outros do Alferes (pago) Joaquim José da Silva Xavier; e que o
dito Gonzaga havia disposto da forma seguinte: que o dito Coronel Alvarenga
havia mandar 200 homens pés-rapados da Campanha, paragem onde mora o dito
Coronel; e outros 200, o dito Padre José da Silva; e que haviam de acompanhar a
estes vários sujeitos, que já passam de 60, dos principais destas Minas; e que
estes pés-rapados, haviam de vir armados de espingardas e facões, e que não
haviam de vir juntos para não causar desconfiança; e que estivessem dispersos,
porém perto da Vila Rica, e prontos à primeira voz; e que a senha para o
assalto haviam de ser cartas dizendo tal dia é o batizado; e que podiam ir
seguros porque o comandante da Tropa Paga, Tenente-Coronel Francisco de Paula,
estava pela parte do levante e mais alguns oficiais, ainda que o mesmo
sargento-mor me disse que o dito Gonzaga e seus parciais estavam desgostosos
pela frouxidão que encontravam no dito comandante e que, por essa causa, se não
tinha
concluído
o dito levante.
E
que a primeira cabeça que s havia de cortar era a de V. Excia.; e depois,
pegando-lhe pelos cabelos, se havia fazer uma fala ao povo que já estava
escrita pelo dito Gonzaga; e para sossegar o dito povo se havia levantar os
tributos; e que logo se passaria a cortar a cabeça do Ouvidor dessa vila, Pedro
José de Araújo, e ao Escrivão da Junta, Carlos José da Silva, e ao
Ajudante-de-Ordens Antônio Xavier; porque estes havia seguir o partido de V. Excia.; e que, como o Intendente
era amigo dele, dito Gonzaga, haviam ver se o reduziam a segui-los; quando
duvidasse, também se lhe cortaria a
cabeça.
Para
este intento me convidaram e se me pediu mandasse vir alguns barris de pólvora,
o que outros já tinham mandado vir; e que procuravam o meu partido por saberem
que eu devia a Sua Majestade quantia avultada; e que esta logo me seria
perdoada; e que, como eu tinha muitas fazendas e 200 e tantos escravos, me
seguravam fazer um dos grandes; e o dito sargento-mor me declarou vários
entrados neste levante; e que se eu descobrisse, se me havia tirar a vida como
já tinham feito a certo sujeito da Comarca de Sabará. Passados poucos dias fui
à Vila de São José, aonde o vigário da mesma, Carlos Correia, me fez certo
quanto o dito sargento-mor me havia contado; e disse-me mais: que era tão certo
que estando o dito pronto para seguir para Portugal, para o que já havia feito
demissão da sua igreja a seu irmão, o dito Gonzaga lhe embaraçara a jornada
fazendo-lhe certo que com brevidade cá o poderiam fazer feliz, e que por este
motivo suspendera a viagem.
Disse-me
o dito Vigário que vira já parte das novas leis fabricadas pelo dito Gonzaga e
que tudo lhe agradava menos a determinação de matarem a V. Excia.; e que ele,
dito Vigário, dera o parecer ao dito Gonzaga que mandasse antes a V. Excia.
botá-lo do Paraibuna abaixo e mais a Senhora Viscondessa e seus meninos, porque
V. Excia. em nada era culpado e que se compadecia do desamparo em que ficavam a
dita senhora e seus filhos com a falta de seu pai; ao que lhe respondeu o dito
Gonzaga que a primeira cabeça que se havia cortar porque o bem comum prevalece
ao particular e que os povos que
estivessem neutros, logo que vissem o seu General morto, se uniriam ao seu
partido.
Fez-se
certo este Vigário, que, para esta conjuração, trabalhava fortemente o dito
Alferes Pago Joaquim José, e que já naquela comarca tinha unido ao seu partido
um grande séquito; e que cedo havia partir para a capital do Rio de Janeiro a
dispor alguns sujeitos, pois o seu intento era também cortar a cabeça do Senhor
Vice-Rei; e que já na dita cidade tinham bastantes parciais.
Meu
senhor, eu encontrei o dito Alferes, em dias de março, em marcha para aquela
cidade; e pelas palavras que me disse me fez certo o seu intento e do ânimo que
levava; e consta-me, por alguns da parcialidade, que o dito Alferes se acha
trabalhando este particular e que a demora desta conjuração era enquanto se não
publicava a derrama; porém que, quanto tardasse, sempre se faria.
Ponho
todos estes tão importantes particulares na presença de V. Excia. pela
obrigação que tenho de fidelidade, não porque o meu instinto nem vontade sejam
de ver a ruína de pessoa alguma; o que espero em Deus que, com o bom discurso
de V. Excia., há de acautelar tudo e dar as providências sem perdição de
vassalos. O prêmio que peço tão somente a V. Excia. é o rogar-lhe que, pelo
amor de Deus, se não perca a ninguém.
Meu
senhor, mais algumas coisas tenho colhido e vou continuando na mesma
diligência, o que tudo farei ver a V. Excia. para o bom êxito de tudo. Beijo os
pés de V. Excia, o mais humilde súdito.
Joaquim Silvério dos Reis, Coronel de Cavalaria dos Campos Gerais.
Borda
do Campo, 11 de abril de 1789.
Reconheço
a letra e firma da carta retro ser do próprio punho do Coronel Joaquim Silvério
dos Reis por outras semelhantes que lhe tenho visto. Vila Rica, 15 de junho de
1789.
José Caetano César Manitti