Carta de Inácio Correia Pamplona a
Carlos José da Silva, encaminhando carta-denúncia ao Visconde de Barbacena.
Fazenda Mendanha (Lagoa Dourada, MG –
aprox. 20-04-1789).
Senhor
Coronel:
Amigo
fiel, e fiel Amigo. Nada posso dizer, assim eu o pudesse ver e de viva voz na
sua presença dizer-lhe os meus sentimentos, que chegam ao fundo do meu coração.
E maiormente por não poder montar a cavalo, de um tombo que dei na Fazenda do
Capote, indo fazer junta de toda a criação na fazenda de gado, a dar-lhe sal;
tive esta infelicidade, quede um quarto me não posso mover sem que padeça
muitas dores. Estou de novo pensando outra raça de cor carmezim, crinas brancas
e cauda branca e toda calçada de branco dos quatro pés e frente da testa, para
o nosso cadete, porque o outro, da grande peste que teve, creio que não torna a
ser mais cavalo. Não lhe digo mais a respeito do seu bucéfalo chamado Porto
Real, porque tem engrossado e se acha
com gravidade; o ponto está que lhe não venha alguma azanga etc. Remeto uma
dúzia de queijos, que me parecem na sua qualidade serem bons, e assim mais 9
queijos pequeninos, de coração, para o meu cadete e o Miguelinho.
Eu
e Eugênia nos recomendamos muito a Senhora Inácia, e que a nossa dona pequena
se vá criando com bom sucesso que bem deveras estimamos. O meu rapaz Inácio,
por toda esta semana, há de ir para dentro para o Seminário, se Deus for
servido, e como eu não posso ir, ele lá não tem outro pai senão o Senhor
Coronel Carlos José e o Reverendo Padre Antônio, pelo favor que me faz. Tenha
Vossa Mercê saúde e felicidade, e na consideração que eu sou, assim como tenho
sido,
De
Vossa Mercê
Amigo
bem deveras
Pamplona
(P.S.) O Chico ainda tenho em prisão e
anda no serviço, e me parece que não lhe vai mal etc. Eu não posso ir a Vila;
Vosmecê veja o modo donde havemos de conversar pelo que ouço dizer há 3 dias.
Nem Vosmecê se descuide dos meus avisos, etc.
Declaro
que a firma desta carta e letra da pós-data abaixo é feita pelo próprio punho
do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, cuja carta me remeteu pouco mais ou
menos em o meado do mês de abril deste ano; e nesse mesmo dia em que a recebi a
fui entregar à Cachoeira ao Excelentíssimo Senhor Visconde General, o que sendo
necessário o juro aos Santos Evangelhos. Vila Rica, 15 de junho de 1789.
José Caetano César Manitti
ANEXO
1: Carta-denúncia de Inácio Correia
Pamplona ao Visconde de Barbacena — Mendanha, 20-04-1789.
Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor Visconde
É
fatal a minha consternação. Tomara achar uma justa idéia que bem pudesse
mostrar a Vossa Excelência o importante peso desta tão árdua, como interessante
ação. Ela me faz conspirar para imediatamente representar a Vossa Excelência o
caso tão horroroso para as atendíveis circunstâncias tão delicadas, em ofensa
ao sagrado respeito, e se o insulto se comprova, aonde está o juramento deste
delinqüentes, a fé de leal vassalo e a promessa de darem até a última gota de
sangue?
Esta
tão relevante ofensa, Excelentíssimo Senhor, faz ódio até às nações mais
bárbaras.
Todos
devemos pensar que Vossa Excelência é o braço em quem a nossa Soberana descansa
nesta Capitania, a quem compete exatissimamente o rigoroso exame da origem e da
fonte donde tudo nasce.
Eis
aqui as provas: Que no dia 29 de março fui convidado pelo Reverendo Vigário
Carlos Correia de Toledo para ir a Semana Santa à dita Vila; e fui à Procissão
dos Passos, onde o dito Vigário me disse em conversa que se tratava de um
levante, havendo leis, o General deposto, estando falado o Regimento, parte
dele; no Rio, um Alferes fazendo séquito; e o Ouvidor que acabou, Gonzaga,
metido nisto; e que todos os devedores que devessem à Fazenda Real seriam
perdoados. E como era dia de sermão e de noite fomos visitar as igrejas, não
deu tempo para mais; no outro dia de madrugada vim-me embora com a promessa de
tornar, e para isso deixei logo o meu vestido.
Sucedeu
logo vir um homem por nome Manuel Pereira Chaves a comprar-me um pouco de gado
e potros, que conduziu para o Rio; e chamando-me de parte, disse-me que sentia
não poder vir a Vila Rica para dar parte ao Coronel Afonso Dias do que lhe
haviam contado nas Vilas de São João e São José: Que havia levante nas Minas, e
que se haviam conluiado todos os cabeças poderosos a este fim; que se achava um
oficial no Rio a convocar séquito; e como se dizia que o levante era dos
poderosos, ele perguntara se eu estava metido nisso; que lhe responderam que eu
não era metido nisso porque era amigo e compadre do Coronel Carlos José e que
logo lho havia de passar; e que o Senhor Vice-Rei já sabia tudo.
Eu,
turbado deste e já do dito acima, não tardaram muitos instantes que logo não
chegasse a este sítio um padre pedindo suas esmolas, e lhe perguntei: “Irmão,
tem tirado muito?” Respondeu-me que tudo estava perdido e agora de novo pior,
porque Vossa Excelência queria botar a derrama, sendo cada um negro a 8
oitavas; e que o povo dizia ir haver levante e viverem em suas liberdades. O
dito deste logo me fez mossa, porque este gira a Capitania; e para maior
desordem este sussurro.
Proximamente
chega a este sítio o Capitão João Dias da Mota que passava a falar a André
Esteves de seus particulares; e querendo deixar passar a força do sol, se
apeou; e neste intervalo lhe perguntei se havia notícia que tivesse chegado a
nau de guerra; respondeu que não, só sim havia passado para o io um furriel com
uma portaria do Ten.-Cel Francisco Antônio Rebelo para se lhe assistir com o
necessário, que ele tudo satisfaria; que, de Vila Rica, passara um padre, que
ia para a Borda do Campo, que largamente falava no levante e que dormira no
Rancho das Lavrinhas do Lourenço, que também este do Rancho assim o publicava.
Vendo
eu esta fatal desordem tomei a firme resolução de não ir ter a Semana Santa na
Vila como havia prometido. Escrevi ao Vigário que, por conta das minhas
enfermidades, me dispensasse; e perguntando eu ao mulato: “que lhe disse o
Vigário?” (por que me não respondera a minha carta), disse que a recebera e que
se pusera a passear, e a bater com a carta na cabeça, e que dissera ao mulato:
“Se te queres ir, em cima daquela mesa está o vestido; leva-o, que a doença de
teu senhor é de mentira.”
É
o que posso dar parte a Vossa Excelência para pôr as providências, que a sua
sábia compreensão sabe, a benefício da nossa Soberana e do bem público; e Deus
guarde a Vossa Excelência. Mendanha, aos 20 de abril de 1789.
Inácio
Correia Pamplona
Mestre
de Campo Regente