sexta-feira, 27 de julho de 2012

OS INCONFIDENTES



Carta de Inácio Correia Pamplona a Carlos José da Silva, encaminhando carta-denúncia ao Visconde de Barbacena. Fazenda Mendanha (Lagoa Dourada, MG – aprox. 20-04-1789).

Senhor Coronel:

Amigo fiel, e fiel Amigo. Nada posso dizer, assim eu o pudesse ver e de viva voz na sua presença dizer-lhe os meus sentimentos, que chegam ao fundo do meu coração. E maiormente por não poder montar a cavalo, de um tombo que dei na Fazenda do Capote, indo fazer junta de toda a criação na fazenda de gado, a dar-lhe sal; tive esta infelicidade, quede um quarto me não posso mover sem que padeça muitas dores. Estou de novo pensando outra raça de cor carmezim, crinas brancas e cauda branca e toda calçada de branco dos quatro pés e frente da testa, para o nosso cadete, porque o outro, da grande peste que teve, creio que não torna a ser mais cavalo. Não lhe digo mais a respeito do seu bucéfalo chamado Porto Real, porque tem engrossado e  se acha com gravidade; o ponto está que lhe não venha alguma azanga etc. Remeto uma dúzia de queijos, que me parecem na sua qualidade serem bons, e assim mais 9 queijos pequeninos, de coração, para o meu cadete e o Miguelinho.

Eu e Eugênia nos recomendamos muito a Senhora Inácia, e que a nossa dona pequena se vá criando com bom sucesso que bem deveras estimamos. O meu rapaz Inácio, por toda esta semana, há de ir para dentro para o Seminário, se Deus for servido, e como eu não posso ir, ele lá não tem outro pai senão o Senhor Coronel Carlos José e o Reverendo Padre Antônio, pelo favor que me faz. Tenha Vossa Mercê saúde e felicidade, e na consideração que eu sou, assim como tenho sido,

De Vossa Mercê

Amigo bem deveras

Pamplona

(P.S.) O Chico ainda tenho em prisão e anda no serviço, e me parece que não lhe vai mal etc. Eu não posso ir a Vila; Vosmecê veja o modo donde havemos de conversar pelo que ouço dizer há 3 dias. Nem Vosmecê se descuide dos meus avisos, etc.

Declaro que a firma desta carta e letra da pós-data abaixo é feita pelo próprio punho do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, cuja carta me remeteu pouco mais ou menos em o meado do mês de abril deste ano; e nesse mesmo dia em que a recebi a fui entregar à Cachoeira ao Excelentíssimo Senhor Visconde General, o que sendo necessário o juro aos Santos Evangelhos. Vila Rica, 15 de junho de 1789.

José Caetano César Manitti


ANEXO 1: Carta-denúncia de Inácio Correia Pamplona ao Visconde de Barbacena — Mendanha, 20-04-1789.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde

É fatal a minha consternação. Tomara achar uma justa idéia que bem pudesse mostrar a Vossa Excelência o importante peso desta tão árdua, como interessante ação. Ela me faz conspirar para imediatamente representar a Vossa Excelência o caso tão horroroso para as atendíveis circunstâncias tão delicadas, em ofensa ao sagrado respeito, e se o insulto se comprova, aonde está o juramento deste delinqüentes, a fé de leal vassalo e a promessa de darem até a última gota de sangue?

Esta tão relevante ofensa, Excelentíssimo Senhor, faz ódio até às nações mais bárbaras.

Todos devemos pensar que Vossa Excelência é o braço em quem a nossa Soberana descansa nesta Capitania, a quem compete exatissimamente o rigoroso exame da origem e da fonte donde tudo nasce.

Eis aqui as provas: Que no dia 29 de março fui convidado pelo Reverendo Vigário Carlos Correia de Toledo para ir a Semana Santa à dita Vila; e fui à Procissão dos Passos, onde o dito Vigário me disse em conversa que se tratava de um levante, havendo leis, o General deposto, estando falado o Regimento, parte dele; no Rio, um Alferes fazendo séquito; e o Ouvidor que acabou, Gonzaga, metido nisto; e que todos os devedores que devessem à Fazenda Real seriam perdoados. E como era dia de sermão e de noite fomos visitar as igrejas, não deu tempo para mais; no outro dia de madrugada vim-me embora com a promessa de tornar, e para isso deixei logo o meu vestido.

Sucedeu logo vir um homem por nome Manuel Pereira Chaves a comprar-me um pouco de gado e potros, que conduziu para o Rio; e chamando-me de parte, disse-me que sentia não poder vir a Vila Rica para dar parte ao Coronel Afonso Dias do que lhe haviam contado nas Vilas de São João e São José: Que havia levante nas Minas, e que se haviam conluiado todos os cabeças poderosos a este fim; que se achava um oficial no Rio a convocar séquito; e como se dizia que o levante era dos poderosos, ele perguntara se eu estava metido nisso; que lhe responderam que eu não era metido nisso porque era amigo e compadre do Coronel Carlos José e que logo lho havia de passar; e que o Senhor Vice-Rei já sabia tudo.

Eu, turbado deste e já do dito acima, não tardaram muitos instantes que logo não chegasse a este sítio um padre pedindo suas esmolas, e lhe perguntei: “Irmão, tem tirado muito?” Respondeu-me que tudo estava perdido e agora de novo pior, porque Vossa Excelência queria botar a derrama, sendo cada um negro a 8 oitavas; e que o povo dizia ir haver levante e viverem em suas liberdades. O dito deste logo me fez mossa, porque este gira a Capitania; e para maior desordem este sussurro.

Proximamente chega a este sítio o Capitão João Dias da Mota que passava a falar a André Esteves de seus particulares; e querendo deixar passar a força do sol, se apeou; e neste intervalo lhe perguntei se havia notícia que tivesse chegado a nau de guerra; respondeu que não, só sim havia passado para o io um furriel com uma portaria do Ten.-Cel Francisco Antônio Rebelo para se lhe assistir com o necessário, que ele tudo satisfaria; que, de Vila Rica, passara um padre, que ia para a Borda do Campo, que largamente falava no levante e que dormira no Rancho das Lavrinhas do Lourenço, que também este do Rancho assim o publicava.

Vendo eu esta fatal desordem tomei a firme resolução de não ir ter a Semana Santa na Vila como havia prometido. Escrevi ao Vigário que, por conta das minhas enfermidades, me dispensasse; e perguntando eu ao mulato: “que lhe disse o Vigário?” (por que me não respondera a minha carta), disse que a recebera e que se pusera a passear, e a bater com a carta na cabeça, e que dissera ao mulato: “Se te queres ir, em cima daquela mesa está o vestido; leva-o, que a doença de teu senhor é de mentira.”

É o que posso dar parte a Vossa Excelência para pôr as providências, que a sua sábia compreensão sabe, a benefício da nossa Soberana e do bem público; e Deus guarde a Vossa Excelência. Mendanha, aos 20 de abril de 1789.


Inácio Correia Pamplona
Mestre de Campo Regente