terça-feira, 10 de julho de 2012

OS INCONFIDENTES



Carta-denúncia de Basílio de Brito Malheiro do Lago, Vila Ria l5-04-1789.

Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde General.

V. Excia. me ordenou que lhe desse escrita a parte que já lhe dei de palavra: de que eu tinha notícia em como algumas pessoas suscitavam nesta Capitania rebelião contra V. Excia., e igualmente contra o Estado e a mesma Soberana; e que lhe declarasse tudo o que tivesse alcançado em matéria tão importante como esta; e ainda o que eu presumisse dos sediciosos e seus projetos; que tudo lhe manifestasse, o que faço obedecendo à ordem de V. Excia., declarando primeiro que não quero que sirva de culpa a qualquer pessoa o que eu desconfio por algumas interferências (sic), sem que V. Excia. venha no pleno conhecimento por outras vias. Já passa de seis meses que me acho nesta Capital de Vila Rica, aonde vim do Serro Frio, a dependência das desordens em que está a minha casa, como V. Excia. muito bem sabe; já era passado algum tempo que eu estava nesta vila, chegou a ela, vindo do Serro Frio, a dependência das desordensem que esta a minha casa, como V. Excia. muito bem sabe; já era passado alum tempo que eu estava nesta vila, chegou a ela, vindo do Serro Frio, onde também é morado, Manoel Antôniode Morais, e veio a ser hóspede do Sargento-Mor José Joaquim da Rocha; e enquanto o dito Morais estava nesta Vila, ia eu algumas vezes falar com ele à casa do tal Rocha, para saber notícias do Serro, por ter eu lá todo o meu estabelecimento; achei na mesma casa muitas vezes, conversando com o Rocha e o Morais, o Alferes do Regimento Pago, José Joaquim, por alcunha o Tiradentes, e como era princípio do governo de V. Excia., e costumam os povos deste País analisar as ações dos Senhores Generais, e em todos os Governos há descontentes, achava eu, e alcançava no dito Alferes grande descontentamento, e algumas vezes lhe ouvi dizer formais palavras: “se todos fossem do meu ânimo! — e se ficava; e depois me disse o Morais, à porta do tal Rocha indo eu passando de caminho, estas palavras: “o Tiradentes anda morto por fazer um levante”; e como eu já levo dito que desconfiava do Tiradentes, e porque de natureza abomino tudo o que é traição, seja contra quem for, quanto mais em matéria tão circunstancial, repreendi o Morais, e lhe disse que semelhantes palavras ninguém as proferia, que eu as não queria ouvir; suspendeu-se o Morais, e eu fui andando  e não soube mais cousa alguma; mas fiquei com uma desconfiança muito grande, maiormente porque sempre conheci, desde que vim para a América, nos nacionais dela, interno desejo de se sacudirem fora da obediência que devem prestar os seus legítimos Soberanos, mas antes patenteiam uma interior vontade de fazerem do Brasil uma república livre, assim como fizeram os Americanos Ingleses, em cuja matéria já conversam com muito pouco cautela algumas pessoas mal intencionadas e que desejam dar princípio a uma sedição; da qual desconfiei mais daí a poucos dias depois que o Morais me declarou o que já disse, por dizer-me também o Doutor João de Araújo, morador no Rio das Mortes, mostrando-se mal afeto a V. Excia.: dizendo eu ao dito doutor, por ter alguma amizade com ele, que nunca era bom queixar-se ninguém do governador, principalmente nestas conquistas onde o Rei lhe dava amplos poderes, me respondeu com bastante paixão que este havia de ser o governador mais desgraçado que tem vindo às Minas; e mo repetiu duas ou três vezes; e disfarçando eu, que não entendia porque ele o dizia, lhe respondi genericamente que um governador das Capitanias do Brasil nada tinha que temer, porque El-Rei os mandava para cá para fazerem as suas vezes, e que se uma pessoa sem alguma instrução dissesse isso, me não admirava, mas a ele, que lhe estranhava muito dizer semelhante loucura; e como viu eu não recebi gostoso a sua expressão, disfarçou com pretextos  muito frívolos; com isto mais me capacitei que já a sedição do Tiradentes  andava por muitas mãos, do que com facilidade me desenganei porque já se ouvia às pessoas  da última classe da gente desta terra, como são os negros e mulatos, que estava para haver um levante; de forma que entrando eu em uma noite, seriam dez horas, pela porta da sala da Estalagem das Cabeças onde assisto, logo assim que entrei,  estando a sala com bastante gente, me disse um moço que está na mesma estalagem, o qual tinha vindo do Rio das Mortes para sentar praça de soldado de cavalo e se chama José Joaquim de Oliveira, formais palavras: “Sabe que mais, Senhor Tenente-Coronel, aqui disseram hoje que está para haver um levante nas Minas”; bem conheci eu que aquele moço o dizia materialmente, por o fazer sem cautela alguma, mas como a minha desconfiança já era muito grande, não lhe respondi mais do que: “Só se for um levante de putas”, e fui entrando para o meu quarto e nunca mais lhe perguntei por semelhante matéria. Depois disto, também ouvi na mesma Estalagem, andando a passear na varanda, dela, a um mulato do Serro Frio chamado Crispiano que estava conversando com outro mulato por nome Raimundo Correia que é major do Regimento dos Pardos do Tejuco e lhe disse o tal Crispiano que já desta vila se tinha escrito para S. Paulo para que lá se levantassem e não pagassem os dízimos; e como eu fugia de semelhantes conversas, não averigüei mais circunstância alguma; e como via falar tais cousas já com esta liberdade, parecia-me impossível que V. Excia. o não soubesse, mas como não via demonstração algumas vezes ao falar nos meus particulares, disfarçadamente dizia ao Ajudante de Ordens, o Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, que as Minas não estavam boas, que era preciso Sua Excia. informar-se, e que só com agrados não se governavam os povos de Minas. Eu julgava que o dito Ajudante muito bem me percebia, mas disfarçava dizendo-me: “deixe estar o Senhor Visconde, que muitos se enganam com ele; guarde-se algum que ele lhe não sente a espada”. Mas cada vez desconfiava eu mais que ia tomando maior corpo o congresso: porque ouvi dizer, mais de uma vez, ao Coronel Inácio José de Alvarenga, em casa do Tenente-Coronel José Pereira Marques, falando-se da decadência das Minas, que estavam propínquas a correr nelas rios de sangue; e também, outra vez, me disse o Capitão Vicente Vieira da Mota que via as Minas em muita desordem, e que todos os nacionais delas se queriam ver livres, e que ele era amigo do Cônego Luís Vieira, mas que lhe ouvia falar umas tais cousas que, se fosse o Rei, lhe mandava cortar a cabeça. Até que vendo eu axiomas tão claros, haverá dois meses ou pouco mais, esperei o mesmo Ajudante Francisco Antônio, quando vinha da Cachoeira a esta Vila e, na mesma Estalagem das Cabeças, falei com ele dizendo-lhe que era preciso Sua Excelência fazer uma exata averiguação do que se andava fulminando nas Minas, e que averiguasse Sua Excelência bem; e que saberia quem eram uns e outros; e vendo eu que dito Ajudante me divertia a conversa, talvez por saber o mesmo que eu lhe queria dizer, instei dizendo-lhe que eu julgava que o caso estava mais adiantado; ele então me disse: “Tenha você fidelidade, e deixe que o Sr. Visconde não se descuida”, ao que eu lhe respondi que a mim se me não encomenda fidelidade, porque El-Rei não tem vassalo como eu nesta Capitania”; e foi andando dizendo-me: “Deixe que nós falaremos”. Passou algum tempo e indo eu para falar com Vossa Excelência nas mesmas dependências, antes de lhe falar, falou comigo Francisco Antônio Rebelo e mi disse que Vossa Excelência logo me vinha falar e que, antes de eu lhe falar nos meus particulares, que lhe declarasse tudo o que soubesse em matéria de rebelião; o que eu assim fiz, declarando a Vossa Excelência pouco mais ou menos tudo o que exponho neste papel; e perguntando-me Vossa Excelência se eu desconfiava de mais algumas pessoas que apeteciam a revolta, se eu sabia onde se ajuntavam a conversar nessas coisas, respondi a Vossa Excelência que todos os nacionais deste terra a desejavam, e que também se lhes uniram alguns filhos de Portugal, destes que não têm modo de vida; e que me parecia, onde faziam os seus ajuntamentos, a falar na matéria, era em casa do Dr. Cláudio Manoel da Costa e do Dr. Tomás Antônio Gonzaga, que foi ouvidor desta Comarca; e perguntando-me mais Vossa Excelência se eu, por casa deles, não lhes tinha pescado alguma coisa, lhe respondi que sendo eu amigo do Cláudio, desta vez que vim a Vila Rica inda não tinha ido à casa dele, porque logo desconfiei destas coisas; e que, antes, eu andava fugindo de todos nesta Vila; então Vossa Excelência me disse que disfarçadamente procurasse eu falar com o Cláudio e que observasse o que alcançava dele sem que me percebesse; e que depois passasse à Cidade de Mariana como a negócio meu, e que me fizesse encontrado com o Cônego Luís Vieira para ver se lhe extorquia alguma coisa. Desta forma, estando eu já seguro que não desconfiava da minha fidelidade, falei com o Cláudio. Perguntou-me pelos meus particulares, queixei-me alguma coisa de Vossa Excelência, ao que me respondeu que nas Minas não havia gente, que os Americanos Ingleses foram bem sucedidos porque acharam só três homens capazes para a campanha, e que nas Minas não havia um só; e que só o Tiradentes andava feito corta-vento, mas que inda lhe haviam de cortar a cabeça a ele; e nunca me disse que tinha entrado em conselho. Falando depois com o Cônego Luís Vieira, este não encobre a paixão que tem de ver o Brasil feito uma república; abonou o Tiradentes de um homem animoso e que, se houvesse muitos como ele, que o Brasil era uma república florente, e que um príncipe europeu não podia ter nada com a América que é um país livre; e que El-Rei de Portugal nada gastou nesta conquista, que os nacionais já a tiraram dos holandeses, fazendo a guerra à sua custa sem El-Rei contribuir com dinheiro algum para ela; depois disto, os franceses tomaram o Rio de Janeiro, que os habitadores da cidade lha compraram com o seu dinheiro; e ultimamente concluiu que esta terra não pode estar muito tempo sujeita a El-Rei de Portugal, porque os nacionais dela querem também fazer corpo de república; e outras coisas semelhantes que todas se encaminham ao fim da liberdade. Que se quer fazer revolta é sem dúvida; a forma como a têm traçado, não a sei.


(Continua)