terça-feira, 31 de julho de 2012
A BÍBLIA SAGRADA
Seus
irmãos foram apascentar o rebanho de seu pai em Siquém. Israel
disse a Jose: “Não apascentam teus irmãos o rebanho em Siquém? Vem, vou
enviar-te a eles.” E ele respondeu: “Eis-me aqui.” Ele lhe disse: “Vai então ver como estão teus
irmãos e o rebanho e traze-me notícias.” Ele o enviou do vale de Hebron e José
chegou a Siquém.
Um
homem o encontrou andando errante pelos campos e este homem lhe perguntou: “Que
procuras?” Ele respondeu: “Procuro meus irmãos. Indica-me, por favor, onde
apascentam seus rebanhos.” O homem disse: “Eles levantaram acampamento daqui; ;
eu os ouvi dizer Vamos a Dotain.” José partiu à procura de seus irmãos e os
encontrou em Dotain.
Eles
o viram de longe e, antes que chegasse perto, tramaram sua morte. Disseram
entre si: “Eis que chega o tal sonhador! Vinde, matemo-lo, joguemo-lo numa
cisterna qualquer; diremos que um animal feroz o devorou. Veremos o que
acontecerá com seus sonhos!”
Mas
Rúben, ouvindo isso, salvou-o de suas mãos. Ele disse: “Não lhe tiremos a
vida!” Disse-lhes Rúben:”Não derrameis o sangue! Lançai-o nesta cisterna do
deserto, mas não ponhais a mão sobre ele!” Era para salvá-lo das mãos deles e
restituí-lo a seu pai. Assim, quando José chegou junto deles, despojaram-no de
sua túnica, a túnica adornada que eles vestia. Arremessaram-se contra ele e o
lançaram na cisterna; era uma cisterna vazia, onde não havia água. Depois
sentaram-se para comer.
Erguendo
os olhos, eis que viram uma caravana de ismaelitas que vinha de Galaad. Seus
camelos estavam carregados de alcatira, de bálsamo e ládano que levavam para o
Egito. Então disse Judá a seus irmãos: “De que nos aproveita matar nosso irmão
e cobrir seu sangue? Vinde, vendamo-lo aos ismaelitas, mas não ponhamos a mão
sobre ele: é nosso irmão, da mesma carne que nós.” E seus irmãos o ouviram.
Quando
passaram os mercadores madianitas, eles retiraram José da cisterna. Venderam
José aos ismaelitas por vinte siclos de prata e eles o conduziram ao Egito.
Quando Rúben voltou à cisterna, eis que José não estava mais ali! Ele rasgou
suas vestes e, voltando a seus irmãos, disse: “O rapaz não está mais lá! E eu,
aonde irei?”
Eles
tomaram a túnica de José e, degolando um bode, molharam a túnica no sangue.
Enviaram a túnica adornada, fizeram-na levar a seu pai com estas palavras: “Eis
o que encontramos! Vê se é ou não a túnica de teu filho.” Ele olhou e disse: “É
a túnica de meu filho! Um animal feroz o devorou. José foi despedaçado!” Jacó
rasgou suas vestes, cingiu os seus rins com um pano de saco e fez luto por seu
filho durante muito tempo. Todos os seus filhos e filhas vieram para consolá-lo,
mas ele recusou toda consolação e disse: “Não, é em luto que descerei ao Xeol
para junto de meu filho.” E seu pai o chorou.
Entretanto
os madianitas venderam-no, no Egito, a Putifar, eunuco do Faraó e comandante
dos guardas.
Gn
37, 12-36
segunda-feira, 30 de julho de 2012
OS NOVOS INCONFIDENTES
APOSENTADORIA
(cont.)
Darcy
Rodrigues de Mello
Dario
Coelho Bastos
Dario
Vasconcellos
David
Monteiro de Barros Lins
David
Reis
David
Ribeiro de Lima
David
Rosemberg
Décio
João Machado
Demétrio
de Castro Menezes
Demétrio
Ribeiro
Deodônio
Albuquerque
Deolindo
Borges Porto Alegre
Deraldo
Padilha de Oliveira
Dércio
Pessoa
Deusdedith
Ferreira do Nascimento
Dílson
Garcia Boucinhas
Diógenes
Alves
Dionísio
de Oliveira Toledo
Dionísio
Fernandes Borges
Dionísio
Rosa Braga
Dirceu
Corrêa Custódio
Diva
Carvalho Carneiro
Djalma
Maciel Linhares
Djalma
Tavares da Cunha Mello
Djalma
Tavares da Cunha Mello Filho
Domingos
Arthur Machado Filho
Dorany
de Sá Barreto Sampaio
Doriam
Sampaio
Dorly
Dias Curvelo
Durmeval
Bartolomeu Trigueiro Mendes
Durval
Gomes de Faria
Durval
Prosdócimo Cresto
Durval
Vieira de Souza
Éder
Simões
Edésio
Nazareth
Edgar
Albuquerque Graeff
Edgard
Bento de Oliveira
Edgard
de Godói da Matta Machado
Edmílson
de Melo
Edmílson
Jorge de Oliveira
Edmílson
Ricarte Cunha
Édson
Moury Fernandes
Édson
Soares dos Santos
Eduardo
Cordeiro Viana
Eduardo
de Menezes Borges
Eduardo
Martins de Oliveira Rolim
Eduardo
Moura da Silva Rosa
Eduardo
Pereira Xavier
Eduardo
Pimentel
RECADO AO UOL
O Fluminense joga futebol ou basquete? A turma daí está precisando de um oculista, entre outros motivos, para ler o UOL, que, na descrição do jogo, lá em baixo, bem lá em baixo, se lembrou dos dois lances de bola ao cesto, um logo após outro, com o segundo dentro da área, e numa situação típica de "mão na bola", quando não há discussão, por parte de um defensor do Fluminense.
Não é todos os dias que "la mano" é de "Dios". Às vezes é "del Diablo"...
Quando será que a crônica esportiva vai deixar de ser provinciana e descobrir que o Brasil é muito maior que o eixo Rio-São Paulo? Há boas geografias à venda por aí...
domingo, 29 de julho de 2012
OTELO E SANT'IAGO
Capítulo
Segundo
DO
LIVRO
Agora
que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos
os motivos que me põem a pena na mão. Vivo só, com um criado. A casa em que
moro é própria: fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão
particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos,
lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga rua de
Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que
desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o
mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas
alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do teto e das paredes é mais ou
menos igual, umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam
nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as figuras das
estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa,
com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de tais personagens. Quando fomos
para a casa de Matacavalos, já ela , já ela estava assim decorada; vinha do
decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo meter sabor clássico e
figuras antigas em pinturas americanas. O mais é também análogo e parecido.
Tenho chacarinha, flores, legume, uma casuarina, um poço e lavadouro. Uso louça
velha e mobília velha. Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da
vida interior, que é pacata, com a exterior que é ruidosa.
O
meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a
adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em
tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os
outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto
eu mesmo, e essa lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à
pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito
externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta. Uma certidão
que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os
documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente;
todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas,
algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade.
Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita
vez a consultar os dicionários, e tal freqüência é cansativa.
Entretanto,
vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos,
aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é
também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória,
conservo alguma recordação doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos
falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.
Ora,
como tudo cansa, essa monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e
lembrou-me escrever um livro. Jurisprudência, filosofia e política acudiram-me,
mas não me acudiram as forças necessárias. Depois, pensei em fazer uma História dos Subúrbios, menos seca que
as memórias do padre Luís Gonçalves dos Santos, relativas à cidade; era obra
modesta, mas exigia documentação e datas, como preliminares, tudo árido e
longo. Foi então que os bustos pintados nas paredes entraram a falar-me e a
dizer-me que, uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me os tempos idos,
pegasse da pena e contasse alguns.Talvez a narração me desse a ilusão, e as
sombras viessem perpassar ligeira, como ao poeta, não o do trem, mas o do Fausto: “Aí vindes outra vez, inquietas
sombras...?”
Fiquei
tão alegre com essa idéia, que ainda agora me treme a pena na mão. Sim, Nero, Augusto,
Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus comentários,
agradeço-vos o conselho, e vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem
vindo. Deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de
maior tomo. Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que
nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se
me apagou do espírito. É o que vais entender lendo.
Machado
de Assis
Dom
Casmurro
sábado, 28 de julho de 2012
EMANUEL E FEDERICO
Manuelzão,
ali perante, vigiava. A cavalo, as mãos cruzadas na cabeça da sela, dedos
abertos; só com o anular da esquerda prendia a rédea. Alto, no alto animal, ele
sobrelevava a capelinha. Seu chapéu-de-couro, que era o mais vistoso, na
redondeza, o mais vasto. Com tanto sol, ee conservava vestido o estreito
jaleco, cor de onça-parda. Se esquecia. “Manuel Jesus Rodrigues” — MANUELZÃO J.
ROÍZ — : gostaria pudesse ter escrito também, debaixo do título da Santa,
naquelas bonitas letras azuis, com o resto da tinta que, não por pequeno preço,
da Pirapora mandara vir. Queria uma festa forte, a primeira missa. Agora, por
dizer, certo modo, aquele lugar da Samarra se fundava.
João
Guimarães Rosa
Uma
Estória de Amor
(Festa
de Manuelzão)
em
Corpo de Baile (Sete Novelas) – 1º vol.
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
OS INCONFIDENTES
Carta de Inácio Correia Pamplona a
Carlos José da Silva, encaminhando carta-denúncia ao Visconde de Barbacena.
Fazenda Mendanha (Lagoa Dourada, MG –
aprox. 20-04-1789).
Senhor
Coronel:
Amigo
fiel, e fiel Amigo. Nada posso dizer, assim eu o pudesse ver e de viva voz na
sua presença dizer-lhe os meus sentimentos, que chegam ao fundo do meu coração.
E maiormente por não poder montar a cavalo, de um tombo que dei na Fazenda do
Capote, indo fazer junta de toda a criação na fazenda de gado, a dar-lhe sal;
tive esta infelicidade, quede um quarto me não posso mover sem que padeça
muitas dores. Estou de novo pensando outra raça de cor carmezim, crinas brancas
e cauda branca e toda calçada de branco dos quatro pés e frente da testa, para
o nosso cadete, porque o outro, da grande peste que teve, creio que não torna a
ser mais cavalo. Não lhe digo mais a respeito do seu bucéfalo chamado Porto
Real, porque tem engrossado e se acha
com gravidade; o ponto está que lhe não venha alguma azanga etc. Remeto uma
dúzia de queijos, que me parecem na sua qualidade serem bons, e assim mais 9
queijos pequeninos, de coração, para o meu cadete e o Miguelinho.
Eu
e Eugênia nos recomendamos muito a Senhora Inácia, e que a nossa dona pequena
se vá criando com bom sucesso que bem deveras estimamos. O meu rapaz Inácio,
por toda esta semana, há de ir para dentro para o Seminário, se Deus for
servido, e como eu não posso ir, ele lá não tem outro pai senão o Senhor
Coronel Carlos José e o Reverendo Padre Antônio, pelo favor que me faz. Tenha
Vossa Mercê saúde e felicidade, e na consideração que eu sou, assim como tenho
sido,
De
Vossa Mercê
Amigo
bem deveras
Pamplona
(P.S.) O Chico ainda tenho em prisão e
anda no serviço, e me parece que não lhe vai mal etc. Eu não posso ir a Vila;
Vosmecê veja o modo donde havemos de conversar pelo que ouço dizer há 3 dias.
Nem Vosmecê se descuide dos meus avisos, etc.
Declaro
que a firma desta carta e letra da pós-data abaixo é feita pelo próprio punho
do Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, cuja carta me remeteu pouco mais ou
menos em o meado do mês de abril deste ano; e nesse mesmo dia em que a recebi a
fui entregar à Cachoeira ao Excelentíssimo Senhor Visconde General, o que sendo
necessário o juro aos Santos Evangelhos. Vila Rica, 15 de junho de 1789.
José Caetano César Manitti
ANEXO
1: Carta-denúncia de Inácio Correia
Pamplona ao Visconde de Barbacena — Mendanha, 20-04-1789.
Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor Visconde
É
fatal a minha consternação. Tomara achar uma justa idéia que bem pudesse
mostrar a Vossa Excelência o importante peso desta tão árdua, como interessante
ação. Ela me faz conspirar para imediatamente representar a Vossa Excelência o
caso tão horroroso para as atendíveis circunstâncias tão delicadas, em ofensa
ao sagrado respeito, e se o insulto se comprova, aonde está o juramento deste
delinqüentes, a fé de leal vassalo e a promessa de darem até a última gota de
sangue?
Esta
tão relevante ofensa, Excelentíssimo Senhor, faz ódio até às nações mais
bárbaras.
Todos
devemos pensar que Vossa Excelência é o braço em quem a nossa Soberana descansa
nesta Capitania, a quem compete exatissimamente o rigoroso exame da origem e da
fonte donde tudo nasce.
Eis
aqui as provas: Que no dia 29 de março fui convidado pelo Reverendo Vigário
Carlos Correia de Toledo para ir a Semana Santa à dita Vila; e fui à Procissão
dos Passos, onde o dito Vigário me disse em conversa que se tratava de um
levante, havendo leis, o General deposto, estando falado o Regimento, parte
dele; no Rio, um Alferes fazendo séquito; e o Ouvidor que acabou, Gonzaga,
metido nisto; e que todos os devedores que devessem à Fazenda Real seriam
perdoados. E como era dia de sermão e de noite fomos visitar as igrejas, não
deu tempo para mais; no outro dia de madrugada vim-me embora com a promessa de
tornar, e para isso deixei logo o meu vestido.
Sucedeu
logo vir um homem por nome Manuel Pereira Chaves a comprar-me um pouco de gado
e potros, que conduziu para o Rio; e chamando-me de parte, disse-me que sentia
não poder vir a Vila Rica para dar parte ao Coronel Afonso Dias do que lhe
haviam contado nas Vilas de São João e São José: Que havia levante nas Minas, e
que se haviam conluiado todos os cabeças poderosos a este fim; que se achava um
oficial no Rio a convocar séquito; e como se dizia que o levante era dos
poderosos, ele perguntara se eu estava metido nisso; que lhe responderam que eu
não era metido nisso porque era amigo e compadre do Coronel Carlos José e que
logo lho havia de passar; e que o Senhor Vice-Rei já sabia tudo.
Eu,
turbado deste e já do dito acima, não tardaram muitos instantes que logo não
chegasse a este sítio um padre pedindo suas esmolas, e lhe perguntei: “Irmão,
tem tirado muito?” Respondeu-me que tudo estava perdido e agora de novo pior,
porque Vossa Excelência queria botar a derrama, sendo cada um negro a 8
oitavas; e que o povo dizia ir haver levante e viverem em suas liberdades. O
dito deste logo me fez mossa, porque este gira a Capitania; e para maior
desordem este sussurro.
Proximamente
chega a este sítio o Capitão João Dias da Mota que passava a falar a André
Esteves de seus particulares; e querendo deixar passar a força do sol, se
apeou; e neste intervalo lhe perguntei se havia notícia que tivesse chegado a
nau de guerra; respondeu que não, só sim havia passado para o io um furriel com
uma portaria do Ten.-Cel Francisco Antônio Rebelo para se lhe assistir com o
necessário, que ele tudo satisfaria; que, de Vila Rica, passara um padre, que
ia para a Borda do Campo, que largamente falava no levante e que dormira no
Rancho das Lavrinhas do Lourenço, que também este do Rancho assim o publicava.
Vendo
eu esta fatal desordem tomei a firme resolução de não ir ter a Semana Santa na
Vila como havia prometido. Escrevi ao Vigário que, por conta das minhas
enfermidades, me dispensasse; e perguntando eu ao mulato: “que lhe disse o
Vigário?” (por que me não respondera a minha carta), disse que a recebera e que
se pusera a passear, e a bater com a carta na cabeça, e que dissera ao mulato:
“Se te queres ir, em cima daquela mesa está o vestido; leva-o, que a doença de
teu senhor é de mentira.”
É
o que posso dar parte a Vossa Excelência para pôr as providências, que a sua
sábia compreensão sabe, a benefício da nossa Soberana e do bem público; e Deus
guarde a Vossa Excelência. Mendanha, aos 20 de abril de 1789.
Inácio
Correia Pamplona
Mestre
de Campo Regente
quinta-feira, 26 de julho de 2012
MACHADO
MARTINHA
VS. LUCRÉCIA
Como
é fácil imaginar, o tema deste congresso — Machado de Assis e a crítica mundial
— seria impensável há pouco tempo, por uma razão muito simples: a crítica
mundial não se ocupava do escritor, que era uma glória apenas local. Digamos
então que o centenário da morte de Machado está nos servindo de pretexto para
assinalar uma situação literária nova, com complicações ainda desconhecidas,
sobre a qual vale a pena refletir. O que vou lhes dizer tem a ver com isso.
Como
ponto de partida, vamos sublinhar um desacordo que veio se configurando ao
longo dos últimos cinqüenta anos. A consagração internacional de Machado de
Assis, que deslanchou em meados do século XX com a tradução norte-americana de
seus romances, ocorreu sem levar em conta o Brasil. Como foi dito de muitas
maneiras por diversos críticos, não é preciso interessar-se pelo Brasil para
reconhecer a maestria de Machado. Esta ressalta claramente da comparação com os
demais mestres do cânon internacional e dispensa considerações de contexto. Por
isso mesmo, parece ser um desserviço confrontar o grande escritor, universal
como todos sabem, com compatriotas menores, ou condições históricas remotas e
atípicas, que não interessam ao leitor cosmopolita. Um bom exemplo dessa
tendência encontra-se no Genius de
Harold Bloom, que dedica um capítulo repleto de admiração a Machado dizendo que
ele tem muito a ver com Laurence Sterne, e quase nada com seu país.
Ora,
no mesmo período, uma parte da crítica brasileira tomou o rumo oposto, formando
a contradição que é o meu ponto de partida. A força de Machado de Assis passava
a ser explicada a) pelo engenho com que retomou e superou os romancistas
cariocas medianos que o precederam; b) pela acuidade notável para os pormenores
da vida local — na verdade, pormenores de um fim de mundo; e c) pela invenção
progressiva de uma forma de romance em correspondência profunda com a estrutura
peculiar da sociedade brasileira. Noutras palavras, a estatura do escritor
deve-se a um conjunto de ajustes, aprofundamentos e superações cuja referência
é o país.
Tomando
distância, vocês estão vendo que a grandeza de Machado suscitou linhas de
explicação contrárias, que em algum momento teriam de discutir e competir. Para
uma, o segredo do valor literário está na semelhança e na diferença, e sempre
na proximidade, com os clássicos do cânon internacional, de cuja órbita o
romancista faz parte. Para a outra, o segredo do valor está na fidelidade,
digamos na fidelidade crítica e produtiva, às questões da literatura e da
sociedade locais, que graças a Machado se beneficiaram de uma extraordinária
desprovincianização. A alternativa convida a tomar partido. Mais interessante
que escolher um dos lados, contudo, é refletir a respeito deles, que são menos
exclusivos do que parecem à primeira vista. O conflito das interpretações
existe, mas, em vez de optar entre elas, buscaremos sua articulação.
Repisando
um pouco, o denominador comum às leituras é a convicção da qualidade estética
da obra, que é estupenda. Para uns, esta se evidencia por meio da comparação em
pé de igualdade com a primeira linha dos escritores internacionais, em que Machado figura em
posição diferenciada. Para outros, resulta do trabalho artístico sobre o
acanhamento peculiar da vida e da literatura de uma sociedade em formação,
acanhamento superado e elevado a uma espécie de plenitude. Aqui a originalidade
artística se nutre da singularidade de uma experiência histórica precária e
recalcada que o romancista fez emergir e soube explorar em grande estilo.
Assim, a posição distinta no cânon internacional, que é uma realidade, passa a
assinalar o surgimento de um bloco também distinto, relativamente soterrado, do
mundo contemporâneo.
Numa
resenha consagradora do romance machadiano, que toma em conta a crítica
brasileira, Michael Wood formula a questão com sutileza: ainda concedendo que
as relações entre os romances e a realidade social existam, será mesmo
necessário interessar-se pelo Brasil para admirar a maestria das narrativas? A
dúvida, colocada do ângulo do leitor estrangeiro, tem os fatos a seu favor,
pois é certo que a reputação internacional de Machado se formou sem apoio na
reflexão sobre o Brasil. A resposta à pergunta, portanto, só pode ser negativa:
não é preciso interessar-se pelo país para apreciar a qualidade superior da
ficção machadiana. Não obstante, é possível também examinar melhor a própria
pergunta.
Num
livro clássico sobre a originalidade histórica da forma romance, em especial
sobre a vocação realista, Ian Watt observa que se trata de um gênero que tende
a incluir no corpo da narrativa as informações necessárias a seu entendimento:
“a sua convenção formal o obriga a prover as próprias notas de rodapé”. O
romance, noutras palavras, tende a apresentar um universo autoexplicativo que
dispensa as referências externas, porque as internaliza. Nesse sentido, o
leitor cativado pela ficção machadiana, mas desinteressado do Brasil — da
experiência histórica chamada Brasil —, talvez não seja uma figura inteiramente
real, embora verossímil. Sua falta de apetite para as particularidades do país
pode não ser tão verdadeira quanto parece, uma vez que as notícias relevantes
no caso estão tramadas na ficção e têm parte no interesse que ela desperta.
Espero não ser especioso dizendo que o leitor imaginado ou registrado por Wood
se interessa pelo Brasil sem o saber.
O
próprio Machado muita noção do problema, e o tratou de modo surpreendente. É
disto que vou falar em seguida: das noções de “universalismo” e “localismo” no
contexto de uma ex-colônia.
Comecemos
com uma pergunta nacional-ressentida. Por que supor, mesmo de modo tácito, que
a experiência brasileira tenha interesse apenas local, ao passo que a
experiência francesa, ou inglesa, ou italiana, ou espanhola, ou norte
americana, ou grega, ou latina, ou todas essas experiências juntas, seriam
universais? Se a pergunta se destina a mascarar nossas inferioridades de
ex-colônia, não vale a pena comentá-la. Se o propósito é duvidar da
universalidade do universal, ou do localismo do local, ela é um ponto de
partida.
A
questão tem importância para a arte de Machado de Assis, que a dramatizou numa
de suas excelentes crônicas, chamada “O punhal de Martinha”. Trata-se da
apresentação, em prosa clássica pastichada, dos destinos paralelos de dois
punhais. Um lendário e ilustre, que serviu ao suicídio de Lucrécia, ultrajada
por Sexto Tarquínio. Outro comum e brasileiro, por isso mesmo destinado à
“ferrugem da obscuridade”, que permitiu a Martinha vingar-se das importunações
de certo João Limeira. A moça, diante da insistência deste, previne: “Não se
aproxime, que eu lhe furo”. Como ele se aproxima, “ela deu-lhe uma punhalada,
que o matou instantaneamente”.
Roberto
Schwarz
Martinha
vs. Lucrécia
em
Machado de Assis e a Crítica Internacional
Editora
Unesp. São Paulo, SP. 2009.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
O QUE JESUS ENSINOU E OS CRISTÃOS REPUDIAM
Tudo
aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois
esta é a Lei e os Profetas.
Mt
7, 12
terça-feira, 24 de julho de 2012
GR
O
obra aberta, segundo Umberto Eco, é aquela que representa “um campo de
possibilidades interpretativas, estruturadas de forma a permitir uma série de
leituras constantemente variáveis , à maneira de uma constelação de elementos
que se prestam a diversas relações recíprocas”. O romance de Guimarães Rosa,
obra aberta que é, oferece ângulos de visão mutável a cada tomada e, com
respeito à crítica literária, estabelece nela uma consciência, um esforço de
autonomia como processo reinventivo, a partir do contexto, seu ponto inicial e
laboratório.
Não
há caber, contudo, nesse campo de possibilidades a interpretação segundo o
binômio forma-conteúdo, a dicotomia desses elementos, com o enredo servindo de
pretexto ao estilo, “o estilo pelo estilo”, no entender de mais de um crítico
literário. Melhor se situará a obra aberta de Guimarães Rosa dentro da
proposição formalista, onde todos os
elementos formam parte integral de uma estrutura unificada (Mukarovsky). A
estrutura do romance é uma combinação perfeita do material — os elementos lingüísticos, idéias, sentimentos
organizados pelo autor — e procedimento,
a manipulação desse material para produzir o efeito artístico visado. Assim é
no GS a palavra — pesquisada, bombardeada em seu núcleo — para servir ao
sertão-mundo; a invenção necessária para transmitir um “mundo visto na sua
confusão, sem o amparo da lógica, sem o amparo de uma perspectiva que o
distanciasse” (L. Costa Lima). Com efeito o cosmos roseano, dentro do qual
decorre a sagarana de Riobaldo — Fausto mineiro, Hamlet caboclo — requer o
aprofundamento (manipulação) de uma linguagem nova e/ou inovada (idéia), seiva
de que terá de se nutrir até o fim.
A
construção dessa obra , vista de uma das perspectivas que oferece, parece
obedecer a um plano gigantesco levado a efeito, peça por peça, com minúcia de
ourives. ora, a criação pura e simples de palavras — as palavras, sim ou não,
em “estado de dicionário” — não excluiria o prosaísmo narrativo. Recorra-se,
então, à forma barroca , no que esta representa de negação do linear, no que
esta representa de “negação do linear, do definido, do estático e do sem
equívoco” (Umberto Eco). A partir desse detalhe e de muitos outros, o plano de
estrutura se processa, enriquecido pela minúcia que irá marcá-lo ao longo das
seiscentas páginas. As grandes antíteses — Amor-Ódio, Deus-Demônio — serão
tratadas à luz de figuras características da época barroca, emergindo de uma
verdade complexa e apenas sugerida. As gradações amorosas por que passa Riobaldo,
por exemplo, assiste-as uma linguagem poética, como recurso para quebrar a
simplicidade que poderia deixá-las despercebidas ao leitor. Aparecem, para tal
fim, os sufixos hipocorísticos, as violências gramaticais, ritmos que acendem a
audiovisualidade do leitor.
O
ritmo flui, muitas vezes, para amenizar a obscuridade vocabular. Ressaltam e
prevalecem, quando isso ocorre, as associações fundamentais, a organização nova
dos elementos de comunicação. Os sons (des) encadeados, encravados no discurso
com trabalho de ourivesaria, fornecem-lhe — em meio a outros toques de estilo —
um elemento mágico que o arremessa à dupla extensão da prosa e da poesia (“Não
se perturbe o leitor com o enquadramento indistinto de João Guimarães Rosa nas
esferas da poesia e da prosa, pois [...] a sua textura verbal cobre a dupla
extensão dessas categorias. Não foi por acaso haver a ele cabido a primazia de
gerar uma nova forma de expressão literária, onde se fundem, de modo orgânico a
prosa e o poema. À falta de um termo corrente, fomos forçados a cunhar o
vocábulo prosoema, para nomeá-la.”
Oswaldino Marques, in “Apontameentos
Roseanos” (SL de O Estado de São Paulo,
30-11-68). Javier Domingo ouviu ali um “estraño
ritmo — una especie de sístole-diástole,
un continuo síncope, un constante par saltos a la luz, una sucession de
espasmos” (“João Guimarães Rosa y la Alegría ”, in Revista
do Livro nº 17, março de 1960) observação mais pertinente a uma composição
poética.
Observada
desse prisma, assim pode parecer a partitura roseana: uma série de sons de que
emerge o significado (René Wellek e Austin Warren, Theory of Literature); ou, mais amplamente, um encadeamento
verbivocovisual que deixa ao leitor/visor/autor abertura e aprofundamento de
significados.
Guimarães
Rosa, na ânsia de fugir ao usaico, transfigura todas as formas estereotipadas,
do sinal diacrítico à estrutura sintática. Seu romance escapa ao romanesco — busca no mundo mais prosaico
que descreve precisamente as áreas e motivos envoltos num clarão poético
(Kayser, Análise e Interpretação da Obra
Literária) — para se aproximar da narrativa de tom épico, elevado. Contudo,
a epopéia reveste cenas e propósitos de romance de cavalaria, dois pólos unidos
insolitamente no tempo e no espaço do Sertão. A fusão temática — A fusão temática
— à maneira das palavras portmanteau
que usa — resulta feliz e concorre
para a excelência da obra.
Já
se afirmou que a crise atual do romance deve-se ao sentimento da insuficiência
da visão privada do mundo. Também,
acrescente-se, à repetição sem variantes em torno das formas de comunicação.
Se, contudo, um fato isolado na conjuntura atual não concorre para a
revivificação do romance, Guimarães Rosa terá pelo menos um ser estudado fora
dessa crise. O Grande Sertão, ao
tempo em que destrói o nonsense na
ficção, fá-lo validamente porque aponta uma solução e um caminho em si mesmo.
Ou talvez um fim, a se compreender o fenômeno do “esgotamento, pelo artista
criador, das possibilidades de diversificações e nuanceamento do arsenal
lingüístico de que dispõe, reduzindo ao mínimo a redundância e elevando ao
máximo o número de opções sintático-semânticas. Gigante solitário no meio da
literatura de uma época, como o autor de Ulisses
e Finnegans Wake, Guimarães Rosa
reivindica a si próprio, a cada livro, distância e densidade. E está exigindo o
mesmo da literatura brasileira, que reduziu, como sentenciou Augusto de Campos,
a “estado de subliteratura”.
A
força de Guimarães Rosa é um segredo de estratégia literária, que o artista
planifica como debruçado sobre um mapa. Imposta a disciplina, manu militari, vão sendo previstos todos
os efeitos que o livro suscitará enquanto significação e comunicação. No trato
fraseológico, por exemplo, o processo metonímico, segundo o tema de Jakobson, é
utilizado de modo a apreender o maior grau informacional no mínimo de texto.
Certas palavras/criações lançam isoladamente continentes de percepção. Por vez,
construções de períodos transbordam como expletivos, através do processo
icônico (representações imitativas). Aqui, o romancista, como Joyce, “é levado
à microscopia pela macroscopia, enfatizando o detalhe a ponto de conter todo um
cosmos metafórico numa só palavra” (Haroldo de Campos, in “A Temperatura
Informacional do Texto”).
Faz
parte desse planejamento a guerra ao lugar-comum, à frase-feita, ao clichê —
que não serão evitados, como se verá, mas recondicionados inventivamente. Aos
trechos citados por M. Cavalcanti Proença e Maria Luísa Ramos (“Trilhas no
Grande Sertão” e “O Elemento Poético em Grande Sertão :
Veredas” em Ciclo de Conferências sobre
Guimarães Rosa”), poderíamos acrescentar outros, de igual beleza e força
reanimadora:
“A lamparina arriava na parede, se
trespunha diversa, na imponência, pojava volume” substitui a
“lamparina deitava sombras na parede”, clichê abonado por levas e levas de
narradores. Nenhuma alusão à sombra
que é mostrada por associação de idéias.
“Nu da cintura para os queixos”. Em vez
do gasto “nu da cintura para cima”.
A
descrição de uns “longos cabelos negros” armadilha que pode levar a construções
à Alencar, recebe nova fórmula, a forma roseana, que nos dá graus de surpresa:
“Os cabelos enormes, pretos, como por si
a grossura dum bicho”.
Às
formas de uso corrente no populacho — “não sabe de coisa nenhuma”, ou “não sabe
coisíssima nenhuma”, contrapõe-se a de Guimarães Rosa: “Não sabiam de nada coisíssima”, simples inversão que cria a
novidade.
Neste
outro exemplo, o artigo definido — somente — modifica uma construção corroída
pelo uso: “E o pobre de mim, minha tristeza me atrasava”.
Assim,
colocado no centro de um sistema determinado — a conjuntura literária
brasileira — Guimarães Rosa, podemos afirmar com Umberto Eco, é o artista
verdadeiro que não pára de transgredir as leis, instaurando novas
possibilidades formais e novas exigências da sensibilidade.
Nei
Leandro de Castro
Universo
ee Vocabulário do
Grande
Sertão
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1970.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
PANEM NOSTRUM
Avistei-o
através da treva em volta,
rumo
ao longínquo e ao próximo igualmente
com
seu galope e sua espada, e a escolta
de
cabelo incendiado, dele rente.
Tudo
foi hoje. O líquen cobre a mente,
e
o pórtico vedado ante a revolta.
A
corrosão dos olhos inda sente
o
clamor retumbando à última volta.
Sagitários
de flechas interiores
urge
dizer os nomes luminares:
Lusbel,
Lusbem, Lussom, Lusfer, Lusguia.
Errante
comunhão de encantadores
possuem
filtros, andam pelos ares
fazem
das aflições sua alegria.
Jorge
de Lima
Livro
de Sonetos
domingo, 22 de julho de 2012
A BÍBLIA SAGRADA
Mas
Jacó permaneceu na terra em que seu pai tinha morado, na terra de Canaã.
Eis
a história de Jacó.
José
tinha dezessete anos. Ele apascentava o rebanho com seus irmãos, — era jovem, —
com os filhos de Bala e os filhos de Zelfa, mulheres de seu pai, e José contou
a seu pai o mal que deles se dizia.
Israel
amava mais a José do que a todos os seus outros filhos, porque ele era o filho
de sua velhice, e mandou fazer-lhe uma túnica adornada. Seus irmãos viram que
seu pai o amava mais do que a todos os seus outros filhos e odiaram-no e se
tornaram incapazes de lhe falar amigavelmente.
Ora,
José teve um sonho e o contou a seus irmãos, que o odiaram mais ainda. Ele lhes
disse: “Ouvi o sonho que eu tive: pareceu-me que estávamos atando feixes nos
campos, e eis que o meu feixe se levantou e ficou de pé, e vossos feixes o
rodearam e se prostraram diante de meu feixe.” Seus irmãos lhe responderam:
“Queres acaso governar-nos como rei ou dominar-nos como senhor?” E eles o
odiaram ainda mais, por causa de seus sonhos e de suas intenções. Ele teve
ainda outro sonho, que contou a seus irmãos. Ele disse: “Tive ainda outro
sonho: pareceu-me que o sol, a lua e onze estrelas se prostravam diante de mim.” Ele narrou isso
a seu pai e seus irmãos, mas seu pai o repreendeu, dizendo: “Que sonho é este
que tiveste? Iríamos nós então, eu, tua mãe e teus irmãos, prostrar-nos por
terra diante de ti?” Seus irmãos ficaram com ciúmes dele, mas seu pai conservou
o fato na memória.
Gn
37, 1-11
sábado, 21 de julho de 2012
OS NOVOS INCONFIDENTES
APOSENTADORIA (cont.)
Carlos
Haroldo Porto Carreiro de Miranda
Carlos
Lobato Pfeifer
Carlos
Luiz de Andrade
Carlos
Matheus
Carlos
Mauro Cabral
Carlos
Maximiliano Fayet
Carlos
Murilo Felício dos Santos
Carlos
Pedro Nascimento
Carlos
Roberto Velho Cirne de Lima
Carlos
Rodrigues Nogueira
Carlos
Schmidt
Carlos
Soares Roupa
Carolina
Victória Ceylão Pereira
Cecyl
Celso de Castro Medeiros
Celany
Pacheco dos Santos
Célio
Gonçalves de Aguiar
Celso
Gabriel de Rezende Passos
Celso
Moreira Guerra
Celso
Moreira Guerra
Celso
Teixeira
Celson
Diniz Pereira
César
Alves Nogueira
César
Pires Chaves
César
Prates
Chopin
Tavares de Lima
Chrysler
da Cruz Procópio
Cid
de Almeida Franco
Cláudio
Botejara Júnior
Cláudio
Gomes Ramalho
Claudionor
David de Sá Barreto
Claudionor
dos Santos Caravellas
Claudionor
Soares de Senna
Cleantho
da Câmara Torres
Cleanto
Rodrigues de Siqueira
Clementino
Fiandes Tupinambá
Cleomir
Gonçalves dos Santos
Cleonice
Pinheiro do Amaral Fontoura
Clodomir
Alcoforado Leite
Clóvios
Melo de Oliveira
Clóvis
Ferreira Tavares
Clóvis
Jatobá da Costa Lima
Consuelo
de Toledo e Silva
Cory
Terra
Cyro
Fernandes
Daniel
de Mendonça Sarmento
Daniel
Israel
Darci
Fontenele de Castro
Darcy
D’Ávila Dornelles
Darcy
Domingues de Mello
Darcy
Moreira de Carvalho
A SANÇÃO SOFRIDA PELOS PROFESSORES
[...] A sanção sofrida pelos professores e
pesquisadores punidos pelo AI-5 tem uma característica profundamente injusta e
diabolicamente cruel: ela é total e perpétua.
É total porque os aposentados
pelo nefando Ato foram, pelo Ato Complementar nº 77 de 22 de outubro de 1969,
proibidos de, a qualquer título, exercer qualquer atividade em instituições de
ensino ou pesquisa oficiais ou que recebessem qualquer subvenção oficial, isto
é, praticamente todos os estabelecimentos dessa natureza no Brasil.
Fecharam-se todas as portas às
suas vítimas.
Esse ato complementar, que é uma
obra prima de maldade, teve sua legitimidade contestada pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, baseada em bem fundamentado parecer
jurídico, mas foi amplamente aplicado em todas as Universidades brasileiras.
A sanção é perpétua porque não
teve sua vigência limitada, ao contrário da suspensão dos direitos políticos
que foi restrita a 10 anos.
Em conseqüência vemos diariamente
políticos cassados voltarem à atividade partidária e mesmo concorrerem a
eleições, muitos deles conquistando mandatos populares.
Atualmente no Brasil não há mais
prisões perpétuas, extinguiu-se a pena de morte, aboliu-se o banimento.
Mas os professores e os pesquisadores
científicos continuam impedidos de exercer suas atividades, em claro
desrespeito a um dos mais sagrados direitos humanos: o direito ao trabalho.
A singularidade desta pena cria
situações extremamente anômalas como a do eminente Professor Fernando Henrique
Cardoso, que, tendo sido aposentado como docente da Universidade de São Paulo e
tido seus direitos políticos cassados, foi eleito a 15 de novembro suplente do
Senador Franco Montoro. Poderá, então, se convocado para exercer a senatoria
falar a todo o povo brasileiro da mais alta tribuna, o Senado Federal, mas
continuará impedido de lecionar a meia dúzia de alunos dentro de uma sala de
aula.
O mesmo poderá acontecer ao nosso
querido Professor Edgar de Godói da Mata-Machado, que recentemente filiado ao
Movimento Democrático Brasileiro, se o quiser, conquistará sem dúvida, na
primeira eleição, um mandato eletivo, mas permanecerá afastado de sua Faculdade
de Direito, que tanto honrou, caso persista a situação atual.
Cabe aqui uma pergunta: serão os
professores tão terrivelmente mais perigosos à segurança nacional que os
políticos?
A inexplicável e extrema
severidade, digamos mesmo crueldade, das sanções impostas aos intelectuais fez
com que, em grande número, buscassem em países estrangeiros a oportunidade de
sobrevivência que lhes era negada no Brasil e hoje ocupam cargos de grande
responsabilidade em instituições de importância mundial, como o Instituto
Pasteur de Paris, O Instituto Rockefeller de Nova York, a Organização Mundial
de Saúde e várias universidades da Europa e da América.
Apesar disso, muitos deles, senão
todos, desejam ardentemente regressar à Pátria, mas como fazê-lo se aqui lhes
são negados os simples meios de subsistência e mesmo o indispensável
passaporte?
Não seriam esses homens úteis ao
Brasil, como o são a outros países? Ou será que a Revolução, como a sua
congênere francesa, não precisa de sábios? [...]
[...] Embora tenha sido para mim
motivo de viva alegria e imenso conforto, não me causou qualquer surpresa a
atitude do Instituto de Ciências Biológicas , através da sua Congregação,
conferindo-me o título de Professor Emérito, o mais alto que pode almejar um
velho professor universitário aposentado.
Não me surpreendeu porque conheço
bem meus colegas. Deles tenho recebido desde os torvos dias de setembro de 1969
as mais claras provas de solidariedade, ainda em plena vigência do regime de
denúncias, delações, vinganças e perseguições, movidas pelo ódio e pela inveja,
que caracterizou aquele negro período de nossa história, quando os punidos pelo
sistema eram considerados tabu, mais perigosos que os leprosos na Idade Média
ou os judeus durante o terror nazista e cuja simples aproximação poderia
constituir grave risco. [...]
[...] Tive a suprema ventura de
participar da luta vitoriosa contra o terror nazi-fascista nos campos de
batalha da Itália, junto com os meus companheiros da Força Expedicionária Brasileira [...]
Prof. Amílcar Vianna Martins
Pela Democracia, por uma
Sociedade Humana
Discurso por ocasião do recebimento
do título de
Professor Emérito da UFMG
Vega. Belo Horizonte. 1979.
sexta-feira, 20 de julho de 2012
OTELO E SANT'IAGO
Capítulo
Primeiro
DO
TÍTULO
Uma
noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central
um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me,
sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me
versos. A viagem era curta e os versos pode ser que não fossem inteiramente
maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou
quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os
versos no bolso.
—
Continue — disse eu, acordando.
—
Já acabei — murmurou ele.
—São
muito bonitos.
Vi-lhe
fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto;
estava amuado. No dia seguinte, entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou
alcunhando-me Dom Casmurro. Os
vizinhos, que não gostam de meus hábitos reclusos e calados, deram curso à
alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos
da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: “Dom
Casmurro, domingo vou jantar com você”. — Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a
casa é a mesma da Renânia; vê se deixa essa caverna do Engenho Novo, e vai lá
passar uns quinze dias comigo.” — Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o
dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote,
dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça.”
Não
consultes dicionários. Casmurro não
está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem
calado e metido consigo. Dom veio por
ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também
não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao
fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe
guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a
obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.
Machado
de Assis
Dom
Casmurro
quinta-feira, 19 de julho de 2012
EMANUEL E FEDERICO
Ia
haver a festa. Naquele lugar — nem fazenda, só um reposto, um currais-de-gado,
pobre e novo ali entre o Rio e a Serra-dos-Gerais, onde o cheiro dos bois
apenas começava a corrigir o ar áspero das ervas e árvores do campo-cerrado, e,
nos matos, manhã e noite, os grandes macacos roncavam como engenho-de-pau
moendo. Mas, para os poucos moradores, e assim para a gente de mais longe ao
redor, vivente nas veredas e chapadas, seria bem uma festa. Na Samarra.
Uma
Estória de Amor
(Festa
de Manuelzão)
em
Corpo de Baile (sete novelas)
1º
volume.
João
Guimarães Rosa.
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.
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