CARTA-DENÚNCIA
DE DOMINGOS DE ABREU VIEIRA; CADEIA DE VILA RICA, 28-05-1789.
Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor
Além
do que já ontem disse aos ministros que vieram falar comigo, acresce que
queriam pôr casa de moeda e pôr o ouro a 1$500, e que assim não saísse mais o
ouro que estivesse no erário desta Vila; assim o dizia o Alferes Tiradentes,
que também o dizia o Alvarenga e o Vigário de São José, e também disse o Padre
José da Silva Rolim; e que o Desembargador
Gonzaga concorria para isto aconselhando; e que também entrava o
Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire; eu lho não ouvi, mas o diziam assim
aqueles ditos, Alferes Tiradentes e Padre José da Silva, que andavam sempre nas
assembléias; e que a maior parte do Regimento Pago havia de estar pronta para a
tal ocasião; e que alguns oficiais estavam convidados também: o Tenente Antônio
Agostinho (Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira, futuro Capitão-Mor de Vila
Rica, depois do falecimento de José Álvares Maciel (pai do inconfidente do
mesmo nome), a quem sucedeu, sendo confirmado no cargo em dezembro de 1793),
disse o Tiradentes que estava falado e que ele respondera que estaria pronto,
pois também era mazombo (termo depreciativo designando o natural do Brasil,
descendente de portugueses), e prometera, quando chegasse seu sobrinho, o
Sargento-Mor Vasconcelos, o havia de convidar para o mesmo fim; e também dizia
o Tiradentes que o Alferes Matias Sanches estava convidado e pronto; e também o
Capitão Antônio José de Araújo, o Tenente Melo e o Alferes Antônio Gomes
Meireles, para no caso de ser preciso ajudar e capacitar algum do Porto do
Siró; também diziam que já faziam as leis para se governar, que estas se faziam
em casa do Desembargador Gonzaga, onde estava o Vigário do Rio das Mortes e o
Coronel Alvarenga, que eram muito fortes na tal desordem; o cabeça de tudo era
o Tiradentes, dizendo que ele e o Alvarenga haviam de ser os heróis da função,
pois defendiam a sua pátria; que os mazombos também valimento e sabiam
governar; e que dando a sua terra tantos haveres, se achavam pobres por lhe
tirarem tudo para fora, mas que a haviam de pôr em liberdade; que só esperavam
se botasse a derrama, pois que a terra não podia pagar e que tudo ia para o
Reino; que se havia mudar a praça para o Rio das Mortes, por ser mais cômoda e
farta de mantimentos; e que nesta Vila haviam de pôr estudos como em Coimbra; e
que havia estar pronta a artilharia e todo o mais trem; se haviam utilizar
dele; que assim o diziam o Alvarenga, o Vigário e Tiradentes; que haviam de
mandar vir socorro de gente das partes de São Paulo.
Tudo
isto que sei e tenho dito, ouvi ao Tiradentes e ao Padre José da Silva, pois
nunca conversei com o Vigário de São José nem com o Alvarenga, nem com o
Gonzaga. E protesto declarar tudo o mais que me lembrar a este respeito. Espero
que Vossa Excelentíssima se compadeça de mim, que não entrei nestas desordens;
que aqueles demônios me contaram sem eu os acreditar; e assim o espero da
proteção de Vossa Excelência, que Deus guarde por muitos anos.
De
Vossa Excelência
o
mais humilde escravo
Domingos de Abreu Vieira