segunda-feira, 24 de setembro de 2012

OS INCONFIDENTES



CARTA-DENÚNCIA DE DOMINGOS DE ABREU VIEIRA; CADEIA DE VILA RICA, 28-05-1789.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Além do que já ontem disse aos ministros que vieram falar comigo, acresce que queriam pôr casa de moeda e pôr o ouro a 1$500, e que assim não saísse mais o ouro que estivesse no erário desta Vila; assim o dizia o Alferes Tiradentes, que também o dizia o Alvarenga e o Vigário de São José, e também disse o Padre José da Silva Rolim; e que o Desembargador  Gonzaga concorria para isto aconselhando; e que também entrava o Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire; eu lho não ouvi, mas o diziam assim aqueles ditos, Alferes Tiradentes e Padre José da Silva, que andavam sempre nas assembléias; e que a maior parte do Regimento Pago havia de estar pronta para a tal ocasião; e que alguns oficiais estavam convidados também: o Tenente Antônio Agostinho (Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira, futuro Capitão-Mor de Vila Rica, depois do falecimento de José Álvares Maciel (pai do inconfidente do mesmo nome), a quem sucedeu, sendo confirmado no cargo em dezembro de 1793), disse o Tiradentes que estava falado e que ele respondera que estaria pronto, pois também era mazombo (termo depreciativo designando o natural do Brasil, descendente de portugueses), e prometera, quando chegasse seu sobrinho, o Sargento-Mor Vasconcelos, o havia de convidar para o mesmo fim; e também dizia o Tiradentes que o Alferes Matias Sanches estava convidado e pronto; e também o Capitão Antônio José de Araújo, o Tenente Melo e o Alferes Antônio Gomes Meireles, para no caso de ser preciso ajudar e capacitar algum do Porto do Siró; também diziam que já faziam as leis para se governar, que estas se faziam em casa do Desembargador Gonzaga, onde estava o Vigário do Rio das Mortes e o Coronel Alvarenga, que eram muito fortes na tal desordem; o cabeça de tudo era o Tiradentes, dizendo que ele e o Alvarenga haviam de ser os heróis da função, pois defendiam a sua pátria; que os mazombos também valimento e sabiam governar; e que dando a sua terra tantos haveres, se achavam pobres por lhe tirarem tudo para fora, mas que a haviam de pôr em liberdade; que só esperavam se botasse a derrama, pois que a terra não podia pagar e que tudo ia para o Reino; que se havia mudar a praça para o Rio das Mortes, por ser mais cômoda e farta de mantimentos; e que nesta Vila haviam de pôr estudos como em Coimbra; e que havia estar pronta a artilharia e todo o mais trem; se haviam utilizar dele; que assim o diziam o Alvarenga, o Vigário e Tiradentes; que haviam de mandar vir socorro de gente das partes de São Paulo.

Tudo isto que sei e tenho dito, ouvi ao Tiradentes e ao Padre José da Silva, pois nunca conversei com o Vigário de São José nem com o Alvarenga, nem com o Gonzaga. E protesto declarar tudo o mais que me lembrar a este respeito. Espero que Vossa Excelentíssima se compadeça de mim, que não entrei nestas desordens; que aqueles demônios me contaram sem eu os acreditar; e assim o espero da proteção de Vossa Excelência, que Deus guarde por muitos anos.

De Vossa Excelência
o mais humilde escravo


Domingos de Abreu Vieira