SEM
FALTA
Quando
voltei a casa era noite. Vim depressa, não tanto, porém, que não pensasse nos
termos em que falaria ao agregado. Formulei o pedido de cabeça, escolhendo as
palavras que diria e o tom delas, entre seco e benévolo. Na chácara, antes de
entrar em casa, repeti-as comigo, depois em voz alta, para ver se eram
adequadas e se obedeciam às recomendações de Capitu: “Preciso falar-lhe, sem falta, amanhã; escolha o lugar e
diga-me”. Proferi-as lentamente, e mais lentamente ainda as palavras sem falta, como para sublinhá-las.
Repeti-as ainda, e então achei-as secas demais, quase ríspidas, e, francamente,
impróprias de um criançola para um homem maduro. Cuidei de escolher outras, e
parei.
Afinal
disse comigo que as palavras podiam servir, tudo era dizê-las em tom que não
ofendesse. E a prova é que, repetindo-as novamente, saíram-me quase súplices.
Bastava não carregar tanto, nem adoçar muito, um meio-termo. “E Capitu tem
razão, pensei, a casa é minha, ele é um simples agregado. Jeitoso é, pode muito
bem trabalhar por mim, e desfazer o plano de mamãe.”
Machado
de Assis
Dom
Casmurro