Passados
porém alguns dias, e chegando ele, testemunha, de fora, lhe disse um dos seus
escravos que ali estava o Tenente-Coronel do Regimento Pago, Francisco de Paula
Freire de Andrada; e entrando ele, testemunha, a cumprimentá-lo no quarto onde
se achava, observou que se tratava da matéria do levante, que o dito
Tenente-Coronel e ele, testemunha, sumamente estranharam; e ouvindo então dizer
àqueles ditos Alferes e Padre José da Silva, que no caso de se efetuar o seu
projeto devia ser logo morto o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde
General, e que do mesmo voto eram o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o
Coronel Inácio José de Alvarenga, segundo a sua presente lembrança, os quais se
explicaram assim: “Que enquanto ao General, cabecinha fora, cabecinha fora”.
Ele, testemunha, e o dito Tenente-Coronel se opuseram com todas as forças a
semelhante desígnio; e se retirou também logo ele, testemunha. Depois desta
passagem, decorrendo algum tempo, tornaram aqueles loucos, dito Alferes e Padre
José da Silva, a falar a ele, testemunha, convidando-o para mandar vir alguns
barris de pólvora a fim de que todos concorressem para aquela ação que já lhe
tinham relatado, e toda sumamente se dirigia à felicidade e bem público; ao que
respondeu constantemente ele, testemunha, que em tal não convinha, nem
consentia que o seu nome interviesse em semelhante desordem; e só declara que,
quando aquele Alferes se retirou ultimamente desta Capital para a Cidade do Rio
de Janeiro, lhe emprestou ele, testemunha, cem mil réis para suas despesas; e
cinqüenta oitavas ao Coronel Alvarenga, quando também se ausentou para o Rio
das Mortes; de que ambos lhe passaram os créditos que devem existir entre os seus
papéis, onde os oferece em prova desta verdade. Além de todo o referido, ouviu
ele, testemunha, ao dito Alferes Joaquim José da Silva e Padre José da Silva,
sobre o plano que se tinha disposto, que pretendiam levantar a Casa de Moeda e
que o ouro corresse a mil e quinhentos; e que não saísse mais para o exterior o
dinheiro que se achasse no Erário desta Capital; que assim o diziam o Coronel
Alvarenga e o Vigário de São José. Que em casa do Desembargador Gonzaga se
formavam as leis para o governo da nova república, onde residiam o dito Vigário
e Alvarenga, que eram os mais fortes partidistas da rebelião, sendo o primeiro
cabeça dela o dito Alferes Joaquim José, o qual dizia que ele, Alvarenga e o
dito Tenente-Coronel Francisco de Paula haviam de ser os heróis da ação, pois
defendiam a sua pátria; que os mazombos também valiam e sabiam governar; e que,
produzindo a sua terra tantos haveres, eles existiam sempre pobres, por lhes
tirarem tudo para fora; que por isso se arrojavam a resgatá-la e a pô-la em
liberdade, para cujo efeito só esperavam a oportuna ocasião em que se lançasse
a derrama; pois as Minas a não podiam pagar e que tudo lhe tiravam para o
Reino. Que a capital se havia de mudar para São João del Rei, por ser aquela
Vila mais bem situada e farta de mantimentos; e que nesta se haviam de abrir
estudos como em Coimbra, em que também se aprendessem as leis.
Além
disto, ouviu mais ele, testemunha, ao dito Alferes Tiradentes, que tinha também
convidado para a mesma sublevação o Tenente de Dragões Antônio Agostinho Lobo
Leite Pereira, o qual respondera que estava pronto, que também era mazombo, e
que voltando seu sobrinho, o Sargento-Mor Vasconcelos, do Destacamento onde se
achava, também o havia de convidar. Do mesmo modo lhe disseram, o referido
Alferes e Padre José da Silva, que tinham falado ao Capitão Antônio José de
Araújo. ao Tenente José Antônio de Melo, e ao Alferes Matias Sanches; e o Padre
José da Silva disse a ele, testemunha, que também tinha falado, ou havia de
falar, no que não está bem certo, ao Alferes Antônio Gomes Meireles, para, no
caso de se efetuar o levante, ajudar-lhe da parte do Serro do Frio,
certificando-lhe, o mesmo Padre e dito Alferes, que já tinham igualmente falado
ao Capitão Brandão para aquele efeito; e que do mesmo modo se achava prevenido
pelo mencionado Alferes o outro Capitão, Maximiano; acrescentando o dito
Tiradentes que para o levante estava pronta parte da tropa paga, ainda soldados
e povo; e que também se aprontava artilharia, sendo preciso; e todo o mais trem
e armas que existiam no armazém, como se tinha assentado; encarregando-se o
Vigário de São José de mandar vir algum socorro de São Paulo, quando fosse
necessário. Sendo tudo o que fica relatado o que ele testemunha sabe e de que
presentemente se lembra sobre esta matéria; e mais não disse, e aos costumes
declarou ser compadre do Alferes Joaquim José da Silva, por ter batizado uma
menina que lhe disse ser sua filha; e assinou com o dito Ministro, depois de
lhe ser lido este seu juramento e o achar conforme; e eu, o Bacharel José
Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.
Saldanha ― Domingos de Abreu Vieira