segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

OS INCONFIDENTES


ASSENTADA


Aos vinte e seis dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar e casas do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, onde eu, escrivão ao diante nomeado, fui vindo , e sendo aí, pelo dito Ministro foram perguntadas as testemunhas, cujos nomes, naturalidades, moradas, ofícios, e idades são os que se seguem; do que eu para constar fiz este termo; e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 12ª

José de Vasconcelos Parada e Sousa, sargento-mor do Regimento de Cavalaria Paga desta Capitania, natural de Torres Novas, Comarca de Santarém, idade de quarenta e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

E perguntado ele, testemunha, pelo Auto desta Devassa que lhe foi lido, disse que estando havia tempos destacado no Tejuco por comandante, nunca aí viu coisa alguma relativa à matéria que no Auto se menciona; e que sendo rendido do dito destacamento, chegando a esta capital de Vila Rica a vinte e oito de março do corrente ano, também do mesmo modo não ouviu falar em semelhante assunto; só porém depois de se praticarem no Rio de Janeiro as prisões do Alferes do seu Regimento, Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, e do Coronel Joaquim Silvério dos Reis, assim como nesta capital, a do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga, e na comarca do Rio das Mortes a do Coronel Alvarenga e do vigário de São José, é que ele, testemunha, ouviu dizer, estando em uma ocasião na parada, ao tenente do mesmo Regimento José Antônio de Melo, rompendo-se a notícia das já referidas prisões, que ele não deixava de atinar na causa do procedimento contra aquele Alferes Joaquim José no Rio de Janeiro; e perguntando-lhe ele, testemunha, por que motivo tinha sido, lhe respondeu o dito Melo: “Que a sua língua o tinha perdido”; e instando-lhe que lhe contasse o que é, lhe tornou outra vez: “que pela sua língua”; depois do que, ficando ele, testemunha, só com o dito tenente Melo, se chegou este e lhe disse: “Agora é que me posso explicar a respeito da prisão do Alferes Joaquim José, que atribuo à sua língua por motivo de que, procurando-me em certa ocasião em minha casa, me disse que este país de Minas Gerais era riquíssimo, mas que tudo quanto produzia lhe levavam para fora sem nele ficar coisa alguma do tanto ouro que ne se extrai; que os quintos não deviam também sair, e que os ofícios se deviam dar aos filhos destas Minas, para dotes de suas filhas e para sustentação de suas famílias; que havia pouco se tinha despedido deste país um general carregado de dinheiro, e que aí vinha já outro fazer o mesmo; e que estes que assim especulavam este continente se não recordavam o que sucedeu ainda de fresco na América Inglesa. Ao que o dito tenente Melo lhe respondeu: que não queria escutar semelhantes discursos e que, se o via visitar, que lhe não referisse semelhantes coisas. E disse-lhe ele, testemunha, depois de ponderar a importância do negócio que tinha escutado, daí a um ou dois dias, que ele tenente devia ir contar tudo ao senhor general, senão o faria ele, testemunha, no que já estava de acordo com o sargento-mor efetivo do Regimento, Pedro Afonso, a quem tinha comunicado e dito que ia dar parte a sua excelência; ao que lhe tornou o mesmo sargento-mor que assim lhe cumpria fazer, mas que deste modo ficava aquele tenente perdido, em cujos termos, melhor faria que ele mesmo, tenente, fosse diretamente delatar-se. Foi (o tenente) por ele, testemunha, e pelo dito sargento-mor efetivo, persuadido a que logo e logo o fizesse; e que não o executando assim, ambos, ele, testemunha, e dito sargento-mor o iam fazer; (isto) porque, todo o referido, havia o mencionado tenente outra vez recontado na presença do mesmo sargento-mor efetivo, o qual ouvindo, disse que naqueles termos estava já na mesma obrigação em que ele, testemunha, se achava, de irem declarar tudo a sua excelência, quando ele tenente o não fizesse logo. O que, assim praticado, ficou o dito tenente na firme resolução de ir contar tudo ao excelentíssimo senhor general, dizendo que tinha escutado aquele discurso sem maior apreensão e que, na verdade, o teve por uma produção desarranjada da pouca capacidade daquele alferes, geralmente reconhecida, pois do contrário não teria ele tenente falado em tal. E com efeito, na noite desse mesmo dia indo buscar o santo (na linguagem militar da época, é receber a senha para o corpo da guarda palaciana, a ser dada pelo capitão-general no fim de cada dia – TJBO), ele, testemunha, e dito sargento-mor viram que ele, dito tenente Melo, se tinha deixado ficar na sala, persuadindo-se ambos que fora para o fim referido; no que mais se firmaram porque, logo no outro dia, se entrou aquele Melo a se retirar deles ambos, especialmente dele, testemunha, mostrando-se muito pesado, talvez por ele ser o primeiro que o obrigou àquela delatação, de que se persuade levaria alguma grande repreensão por a não fazer mais cedo. E também declara ele, testemunha, ter ouvido, mas não se lembra verdadeiramente a quem, que o mesmo alferes tinha recomendado a um homem do caminho, Fulano Pires, que trouxesse bem pólvora, chumbo e sal para Minas, que os havia gastar bem. E logo que se fizeram aquelas prisões, ouviu ele, testemunha, dizer publicamente que o Desembargador Gonzaga, o Coronel Alvarenga, o vigário de São José e seu irmão, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo Piza, eram entrados na sublevação de que o dito Alferes Joaquim José tratava, admirando-se algumas pessoas que tanto o Cônego Luís Vieira, como o Doutor Cláudio Manuel da Costa escapassem de ser presos, em razão da íntima amizade que ambos conversavam, como era bem constante, com os referidos; e que, naturalmente, parecia deviam estar compreendidos na mesma desordem.

E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro, disse que passa na verdade o referido; mas que, quando se falou entre os nele referidos sobre a prisão do Coronel Alvarenga, pondo as mãos na cabeça, o capitão José Vicente se explicou pelas formais palavras: “Agora é que eu caio, em que a prisão do Alvarenga há de ser talvez pelo que ele disse na loja de Antônio Ferreira, mercador desta Vila, falando na derrama que sua excelência queria deitar na capitania; que sua excelência fazia muito mal, porquanto este país estava muito decadente e que não podia com semelhantes tributos; e que bem podia exemplificar-se no que sucedeu na América Inglesa, porque podia haver uma sublevação. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, o escrevi.



Saldanha   -   José de Vasconcelos Parada e Sousa