MUNICÍPIO
DE OURO PRETO
DISCRIPÇÃO
E NOTÍCIA HISTÓRICA DA CIDADE DE OURO-PRETO, CAPITAL DA PROVÍNCIA DE MINAS
Os
primeiros habitantes das margens dos ribeirões, que vertem das impinadas serras
que cercam esta cidade, forão Antonio Dias Taubateno, o padre João de Faria
Fialho, que legarão seus nomes a dous bairros da cidade, e os paulistas Thomas
Lopes de Camargos e Francisco Bueno da Silva, os quaes vierão aqui ter em 1699.
A
riqueza encontrada no solo de Vila-Rica foi attrahindo aventureiros e ambiciosos
de ouro, e em pouco tempo a população cresceu e dispersou-se pelos arrebaldes
de S. Sebastião, Santa Anna, S. João, Pão-Doce, Ramos, Antonio Dias e
Ouro-Preto.
Desde
aquella época de 1699 até 1709 tantas e tão repetidas forão as rixas, que a
anarchia veio aqui estabelecer-se, e desde então a vida e a propriedade
existião entregues ao poder brutal de pequenos, mas crueis regulos, que
dictavam a lei com a ponta do punhal, até que sendo sabedor disto o Governador
Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, veio e conseguio por termo a tão
excepcional estado de coisas, submettendo o principal revoltoso, Manoel Nunes
Vianna, portuguez activo, astuto e que sabia illudindo a todos, impôr a sua
vontade de bronze.
(Extrahimos
do livro da camara de Sabará o seguinte termo, que está um pouco em desarmonia
com o que consta dos documentos que temos a vista — Eis o termo — “Srs. do senado — Quando eu
vi em minhas mãos o ofício que o dr. corregedor desta camara dirigio a este senado
com a data de1785, e igualmente a ordem régia que nelle se contempla, eu me
senti preocupado de um bem fundado receio de não poder cumprir com o respeitoso
preceito que vai na dita ordem e que se me impõem e de passar por isso pela
vergonhosa injúria de ser um vassalo inutil ao Estado, e a republica. Porém
como ao mesmo tempo foi manifesto ao meu conhecimento que as primeiras obrigações temporaes dos
vassallos é prestar uma obediencia submissa na execução e cumprimento dos
Mandados Regios ainda que muito embora perigue a própria reputação, por se
dever antepor a esta a fidelidade, eu me dispuz logo para fazer uma indagação
minuciosa das noticias e tradições que me servissem para formar o plano da
relação que faz o objecto de minha comissão, e a força de um pouco de trabalho,
gostosamente despendido, apenas pude individuar — Que arrogando Manoel de Borba
Gato o título de Governador de Minas pelo previlegio de ter sido o descobridor
dellas, unido Valentim Pedroso de Barro, e outros que havião subido da
Capitania de S. Paulo, procedeu naquele despotico governo com um desvio total
daquellas prudentes maximas, que devem ser inseparaveis da conducta, e da
pessoa de quem tem a seu cargo semelhante regencia. E por isto fatigados os
povos de soffrer involuntarios e pesados effeitos de um comportamento irregular
desde o anno de 1698 até 1708, nelle elegerão com pluralidade de votos, para
seu Chefe, com o título de capitão regente, a Manoel Nunes Vianna, homem branco
e Européo. E aceitando elle a nomeação, e cargo arbitrariamente conferido por
aquelles povos emprehendeu logo a expulsão dos paulistas do continente de
Minas, e conseguindo indisputavelmente o dito empenho por força do grande
auxilio de armas, com que foi socorrido de todos os habitantes do paiz que
forçadamente soffrião e supportavão o entruso governo de Borba, continuou e
permaneceu na dita regencia, até que por ordem da Côrte chegou a estas minas o
Illm. e Exm. Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho a quem prompta e
submissamente entregou a regencia e governo o dito Vianna, presando-lhe todos
aquelles obsequios que são devidos a um talpersonagem como um verdadeiro
delegado do Príncipe Soberano e Rei Nacional. Eu não individuo e faço relação
de muitos factos acontecidos com os paulistas e Européos durante a regencia
daquele Vianna, por que elles nada tem de memoráveis, antes serveria de
escandalo e horror a posteridade fazer lembrados uns factos de que não é facil
achar exemplos entre os povos de uma mesma nação, e vassalos de um mesmo
Principe; pois para total horror de sua lembrança bastava serem demonstrativos
da irreligião com que vivião os ditos individuos, porque preocupados somente da
ambição e avaresa nem prestavão socorros ao proximo nas suas necessidades, nem
reverenciavão a Deus como verdadeira e unica causa de todas as felicidades, e
por isso é melhor que no silencio se occulte memorias tão vergonhosas.”
O
que se segue no termo é tudo relativo ao Sabará e por isso não transcrevemos o
resto.
Esta
memória foi apresentada pelo Vereador Capitão Manoel Alves Carneiro a 23 de
Outubro de 1786.
Publicado
no “Almanack Mineiro
em
1864, na cidade de Ouro Preto
(respeitada a ortografia da época)