ASSENTADA
Aos
vinte e seis dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta
Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar e casas do Desembargador Pedro José Araújo
de Saldanha, Ouvidor e Corregedor desta Comarca, onde eu, escrivão ao diante
nomeado, fui vindo , e sendo aí, pelo dito Ministro foram perguntadas as
testemunhas, cujos nomes, naturalidades, moradas, ofícios, e idades são os que
se seguem; do que eu para constar fiz este termo; e eu, o bacharel José Caetano
César Manitti, escrivão nomeado, o escrevi.
Testemunha
12ª
José
de Vasconcelos Parada e Sousa, sargento-mor do Regimento de Cavalaria Paga
desta Capitania, natural de Torres Novas, Comarca de Santarém, idade de
quarenta e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos
Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do
qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado,
o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.
E
perguntado ele, testemunha, pelo Auto desta Devassa que lhe foi lido, disse que
estando havia tempos destacado no Tejuco por comandante, nunca aí viu coisa
alguma relativa à matéria que no Auto se menciona; e que sendo rendido do dito
destacamento, chegando a esta capital de Vila Rica a vinte e oito de março do corrente
ano, também do mesmo modo não ouviu falar em semelhante assunto; só porém
depois de se praticarem no Rio de Janeiro as prisões do Alferes do seu
Regimento, Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, e do Coronel
Joaquim Silvério dos Reis, assim como nesta capital, a do Desembargador Tomás
Antônio Gonzaga, e na comarca do Rio das Mortes a do Coronel Alvarenga e do
vigário de São José, é que ele, testemunha, ouviu dizer, estando em uma ocasião
na parada, ao tenente do mesmo Regimento José Antônio de Melo, rompendo-se a
notícia das já referidas prisões, que ele não deixava de atinar na causa do
procedimento contra aquele Alferes Joaquim José no Rio de Janeiro; e
perguntando-lhe ele, testemunha, por que motivo tinha sido, lhe respondeu o
dito Melo: “Que a sua língua o tinha perdido”; e instando-lhe que lhe contasse
o que é, lhe tornou outra vez: “que pela sua língua”; depois do que, ficando
ele, testemunha, só com o dito tenente Melo, se chegou este e lhe disse: “Agora
é que me posso explicar a respeito da prisão do Alferes Joaquim José, que
atribuo à sua língua por motivo de que, procurando-me em certa ocasião em minha
casa, me disse que este país de Minas Gerais era riquíssimo, mas que tudo
quanto produzia lhe levavam para fora sem nele ficar coisa alguma do tanto ouro
que ne se extrai; que os quintos não deviam também sair, e que os ofícios se
deviam dar aos filhos destas Minas, para dotes de suas filhas e para
sustentação de suas famílias; que havia pouco se tinha despedido deste país um
general carregado de dinheiro, e que aí vinha já outro fazer o mesmo; e que
estes que assim especulavam este continente se não recordavam o que sucedeu
ainda de fresco na América Inglesa. Ao que o dito tenente Melo lhe respondeu:
que não queria escutar semelhantes discursos e que, se o via visitar, que lhe
não referisse semelhantes coisas. E disse-lhe ele, testemunha, depois de
ponderar a importância do negócio que tinha escutado, daí a um ou dois dias,
que ele tenente devia ir contar tudo ao senhor general, senão o faria ele,
testemunha, no que já estava de acordo com o sargento-mor efetivo do Regimento,
Pedro Afonso, a quem tinha comunicado e dito que ia dar parte a sua excelência;
ao que lhe tornou o mesmo sargento-mor que assim lhe cumpria fazer, mas que
deste modo ficava aquele tenente perdido, em cujos termos, melhor faria que ele
mesmo, tenente, fosse diretamente delatar-se. Foi (o tenente) por ele,
testemunha, e pelo dito sargento-mor efetivo, persuadido a que logo e logo o
fizesse; e que não o executando assim, ambos, ele, testemunha, e dito
sargento-mor o iam fazer; (isto) porque, todo o referido, havia o mencionado
tenente outra vez recontado na presença do mesmo sargento-mor efetivo, o qual
ouvindo, disse que naqueles termos estava já na mesma obrigação em que ele,
testemunha, se achava, de irem declarar tudo a sua excelência, quando ele
tenente o não fizesse logo. O que, assim praticado, ficou o dito tenente na
firme resolução de ir contar tudo ao excelentíssimo senhor general, dizendo que
tinha escutado aquele discurso sem maior apreensão e que, na verdade, o teve
por uma produção desarranjada da pouca capacidade daquele alferes, geralmente
reconhecida, pois do contrário não teria ele tenente falado em tal. E com
efeito, na noite desse mesmo dia indo buscar o santo (na linguagem militar da
época, é receber a senha para o corpo da guarda palaciana, a ser dada pelo
capitão-general no fim de cada dia – TJBO), ele, testemunha, e dito
sargento-mor viram que ele, dito tenente Melo, se tinha deixado ficar na sala, persuadindo-se
ambos que fora para o fim referido; no que mais se firmaram porque, logo no
outro dia, se entrou aquele Melo a se retirar deles ambos, especialmente dele,
testemunha, mostrando-se muito pesado, talvez por ele ser o primeiro que o
obrigou àquela delatação, de que se persuade levaria alguma grande repreensão
por a não fazer mais cedo. E também declara ele, testemunha, ter ouvido, mas
não se lembra verdadeiramente a quem, que o mesmo alferes tinha recomendado a
um homem do caminho, Fulano Pires, que trouxesse bem pólvora, chumbo e sal para
Minas, que os havia gastar bem. E logo que se fizeram aquelas prisões, ouviu
ele, testemunha, dizer publicamente que o Desembargador Gonzaga, o Coronel
Alvarenga, o vigário de São José e seu irmão, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo
Piza, eram entrados na sublevação de que o dito Alferes Joaquim José tratava,
admirando-se algumas pessoas que tanto o Cônego Luís Vieira, como o Doutor
Cláudio Manuel da Costa escapassem de ser presos, em razão da íntima amizade
que ambos conversavam, como era bem constante, com os referidos; e que,
naturalmente, parecia deviam estar compreendidos na mesma desordem.
E
perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha tenente-coronel Basílio
de Brito Malheiro, disse que passa na verdade o referido; mas que, quando se
falou entre os nele referidos sobre a prisão do Coronel Alvarenga, pondo as
mãos na cabeça, o capitão José Vicente se explicou pelas formais palavras:
“Agora é que eu caio, em que a prisão do Alvarenga há de ser talvez pelo que
ele disse na loja de Antônio Ferreira, mercador desta Vila, falando na derrama
que sua excelência queria deitar na capitania; que sua excelência fazia muito
mal, porquanto este país estava muito decadente e que não podia com semelhantes
tributos; e que bem podia exemplificar-se no que sucedeu na América Inglesa,
porque podia haver uma sublevação. E mais não disse, nem dos costumes; e
sendo-lhe lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o bacharel
José Caetano César Manitti, o escrevi.
Saldanha -
José de Vasconcelos Parada e Sousa