TESTEMUNHA 25ª
Salvador Carvalho do
Amaral Gurgel, natural da Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Parati,
Comarca do Rio de Janeiro, morador nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do
Ouro Preto, que vive de sua arte de cirurgia, idade de vinte e sete ou vinte e
oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos
em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou
jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu
fazer como lhe era encarregado.
E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que no mesmo
fez a outra testemunha, Raimundo Correia Lobo, Sargento-mor dos Pardos do
Tejuco, que todo lhe foi lido, disse que era verdade o seu conteúdo; e que a
razão que tivera para falar em semelhante matéria àquele Doutor Antônio José
Soares, como no dito referimento se mencionava, vinha a ser que, tendo o
Alferes do Regimento de Cavalaria Paga desta Capital notícia do bom
conhecimento e amizade que ele, testemunha referida, conservava com o Padre
Mestre, Frei José Mariano da Conceição Veloso, religioso de Santo Antônio na
cidade do Rio de Janeiro, de quem o dito Alferes Joaquim José da Silva se
intitulava parente (Trata-se do famoso naturalista, autor da Flora Fluminensis, que era ligado ao
Alferes Joaquim José da Silva Xavier por vínculos de parentesco. Na verdade,
eram primos em primeiro grau, pois as respectivas mães eram irmãs.),
encontrando este em certa ocasião a ele testemunha, o cumprimentou e lhe
perguntou notícias do dito padre. E desta pequena conversação e encontro, ficou
ele testemunha com conhecimento também do dito Alferes. Sucedendo porém ter
precisão de um dicionário da língua francesa, soube por acaso que o referido
Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, tinha um; e procurando-o para o fim de
lho comprar, lho não quis o dito vender, mas conseguiu dele que por alguns dias
lho emprestasse. E nessa mesma ocasião, tentando ele testemunha sentar praça no
seu Regimento, assim lho comunicou, e logo o dito Alferes entrou a desviá-lo deste
pensamento, ponderando-lhe: “Para que queria ele sentar praça, quando se não
pagavam os soldos, que até a ele e mais oficiais se estavam devendo? Que esta
terra estava arrasadíssima, e que cada vez mais se oprimia com reiterados
tributos; que presentemente se lançava a derrama, que acabaria de a assolar de
todo; e que, à vista disso, estava ele, dito Alferes, na deliberação de
suscitar um levante, porque queriam nestas Minas uma testa coroada; para cujo fim tanto a Capitania de São Paulo
como esta, já as tinha fechadas nas mãos”. Perguntando-lhe a este tempo, se ele
testemunha tinha algum conhecimento no Rio para quem escrevesse; e dizendo-lhe
ele, testemunha, que o negócio que ali o tinha conduzido era muito diferente e
que se não metia com estas coisas, lhe instou o dito Alferes que só queria
algumas cartas para o Rio. Al que lhe respondeu ele, testemunha, que ali não
tinha conhecimentos e só com um tenente do regimento de artilharia, por nome
Francisco Manuel da Silva e Melo; mas que em tal lhe não escrevia; a que acudiu
o Alferes dizendo que era bastante que lhe fizesse uma carta do teor seguinte: “que
o portador daquela ia à cidade do Rio a tratar de certa dependência que o mesmo
lhe comunicaria, e que lhe suplicava o quisesse dirigir para o seu bom êxito”,
cuja carta nem ainda assim lha deu ele testemunha. E se despediu, não o
tornando mais a ver até ao presente.
E logo que saiu de sua casa, foi diretamente para a do dito
Doutor Antônio José Soares, a quem contou esta passagem, como no referimento se
declara; o qual lhe respondeu que, se ele testemunha não tinha outras provas,
nem por pensamentos falasse em tal; mas que tendo-as, devia logo e logo denunciar-se;
o que ele testemunha não executou, por ter só ouvido tocar esta matéria àquele
alferes, que nunca mais encontrou, como referido fica. E declara mais que,
passados alguns dias, lhe mandou o padre Francisco (Pe. Francisco Ferreira da
Cunha, capelão dos presos da Cadeia repetidos anos e sócio de Tiradentes na
referida botica.), que tem uma Botica na Ponte do Rosário, buscar pelo seu
caixeiro aquele dicionário, a quem ele testemunha fielmente o entregou por lhe
ter dito, o mesmo alferes, que lho não vendia por o ter já feito àquele padre;
e mais não disse.
E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha
Crispiniano da Luz Soares, disse que não está bem certo se, no sítio que nele
se menciona, falou alguma vez com aquele referente na matéria referida; porém,
como o dito freqüentava muito a casa do já indicado Doutor Antônio José Soares
de Castro, onde ele testemunha contou o que expressado fica, seria factível que
do mesmo o soubesse aquele Crispiniano, pois que se não recorda com certeza se
este se achava também na mesma casa ao tempo que ele relatou a dita novidade;
mas que ainda assim poderia suceder falar na mesma com o referente onde este
acusa, contando-lhe pouco mais ou menos o que do referimento se realiza, o que
sem dúvida nasceu do que tinha unicamente passado com o sobredito alferes, não
se recordando ele, testemunha, das formais palavras, nem do sítio e ocasião,
como declarado tem. E mais não disse, nem dos costumes; e assinou com o dito Ministro,
depois de lhe ter sido lido o juramento, e eu, o bacharel José Caetano César
Manitti, escrivão nomeado, o escrevi.
Saldanha - Salvador Carvalho do Amaral Gurgel
(A carta-denúncia de Florêncio José Ferreira Coutinho,
datada de 13-06-1789, parece ter sido retida pelo Visconde de Barbacena e só
mais tarde anexada aos Autos. Gurgel se achava em liberdade no dia 10-06, tendo
sido preso no dia 11, pois no dia 12 foi inquirido e acareado com Crispiniano
da Luz Soares, na Cadeia Pública, igualmente preso, e também com Raimundo
Correia Lobo e Dr. Antônio José Soares de Castro, ambos soltos.)