quarta-feira, 1 de outubro de 2014

OS INCONFIDENTES


TESTEMUNHA 25ª

Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, natural da Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Parati, Comarca do Rio de Janeiro, morador nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, que vive de sua arte de cirurgia, idade de vinte e sete ou vinte e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe era encarregado.

E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que no mesmo fez a outra testemunha, Raimundo Correia Lobo, Sargento-mor dos Pardos do Tejuco, que todo lhe foi lido, disse que era verdade o seu conteúdo; e que a razão que tivera para falar em semelhante matéria àquele Doutor Antônio José Soares, como no dito referimento se mencionava, vinha a ser que, tendo o Alferes do Regimento de Cavalaria Paga desta Capital notícia do bom conhecimento e amizade que ele, testemunha referida, conservava com o Padre Mestre, Frei José Mariano da Conceição Veloso, religioso de Santo Antônio na cidade do Rio de Janeiro, de quem o dito Alferes Joaquim José da Silva se intitulava parente (Trata-se do famoso naturalista, autor da Flora Fluminensis, que era ligado ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier por vínculos de parentesco. Na verdade, eram primos em primeiro grau, pois as respectivas mães eram irmãs.), encontrando este em certa ocasião a ele testemunha, o cumprimentou e lhe perguntou notícias do dito padre. E desta pequena conversação e encontro, ficou ele testemunha com conhecimento também do dito Alferes. Sucedendo porém ter precisão de um dicionário da língua francesa, soube por acaso que o referido Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, tinha um; e procurando-o para o fim de lho comprar, lho não quis o dito vender, mas conseguiu dele que por alguns dias lho emprestasse. E nessa mesma ocasião, tentando ele testemunha sentar praça no seu Regimento, assim lho comunicou, e logo o dito Alferes entrou a desviá-lo deste pensamento, ponderando-lhe: “Para que queria ele sentar praça, quando se não pagavam os soldos, que até a ele e mais oficiais se estavam devendo? Que esta terra estava arrasadíssima, e que cada vez mais se oprimia com reiterados tributos; que presentemente se lançava a derrama, que acabaria de a assolar de todo; e que, à vista disso, estava ele, dito Alferes, na deliberação de suscitar um levante, porque queriam nestas Minas uma testa coroada;  para cujo fim tanto a Capitania de São Paulo como esta, já as tinha fechadas nas mãos”. Perguntando-lhe a este tempo, se ele testemunha tinha algum conhecimento no Rio para quem escrevesse; e dizendo-lhe ele, testemunha, que o negócio que ali o tinha conduzido era muito diferente e que se não metia com estas coisas, lhe instou o dito Alferes que só queria algumas cartas para o Rio. Al que lhe respondeu ele, testemunha, que ali não tinha conhecimentos e só com um tenente do regimento de artilharia, por nome Francisco Manuel da Silva e Melo; mas que em tal lhe não escrevia; a que acudiu o Alferes dizendo que era bastante que lhe fizesse uma carta do teor seguinte: “que o portador daquela ia à cidade do Rio a tratar de certa dependência que o mesmo lhe comunicaria, e que lhe suplicava o quisesse dirigir para o seu bom êxito”, cuja carta nem ainda assim lha deu ele testemunha. E se despediu, não o tornando mais a ver até ao presente.

E logo que saiu de sua casa, foi diretamente para a do dito Doutor Antônio José Soares, a quem contou esta passagem, como no referimento se declara; o qual lhe respondeu que, se ele testemunha não tinha outras provas, nem por pensamentos falasse em tal; mas que tendo-as, devia logo e logo denunciar-se; o que ele testemunha não executou, por ter só ouvido tocar esta matéria àquele alferes, que nunca mais encontrou, como referido fica. E declara mais que, passados alguns dias, lhe mandou o padre Francisco (Pe. Francisco Ferreira da Cunha, capelão dos presos da Cadeia repetidos anos e sócio de Tiradentes na referida botica.), que tem uma Botica na Ponte do Rosário, buscar pelo seu caixeiro aquele dicionário, a quem ele testemunha fielmente o entregou por lhe ter dito, o mesmo alferes, que lho não vendia por o ter já feito àquele padre; e mais não disse.

E perguntado pelo referimento que nele fez a testemunha Crispiniano da Luz Soares, disse que não está bem certo se, no sítio que nele se menciona, falou alguma vez com aquele referente na matéria referida; porém, como o dito freqüentava muito a casa do já indicado Doutor Antônio José Soares de Castro, onde ele testemunha contou o que expressado fica, seria factível que do mesmo o soubesse aquele Crispiniano, pois que se não recorda com certeza se este se achava também na mesma casa ao tempo que ele relatou a dita novidade; mas que ainda assim poderia suceder falar na mesma com o referente onde este acusa, contando-lhe pouco mais ou menos o que do referimento se realiza, o que sem dúvida nasceu do que tinha unicamente passado com o sobredito alferes, não se recordando ele, testemunha, das formais palavras, nem do sítio e ocasião, como declarado tem. E mais não disse, nem dos costumes; e assinou com o dito Ministro, depois de lhe ter sido lido o juramento, e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha  -   Salvador Carvalho do Amaral Gurgel


(A carta-denúncia de Florêncio José Ferreira Coutinho, datada de 13-06-1789, parece ter sido retida pelo Visconde de Barbacena e só mais tarde anexada aos Autos. Gurgel se achava em liberdade no dia 10-06, tendo sido preso no dia 11, pois no dia 12 foi inquirido e acareado com Crispiniano da Luz Soares, na Cadeia Pública, igualmente preso, e também com Raimundo Correia Lobo e Dr. Antônio José Soares de Castro, ambos soltos.)