quinta-feira, 23 de outubro de 2014

OS INCONFIDENTES



Domingos Vidal de Barbosa (Domingos Vidal de Barbosa Laje. Nascido em 1761, em Santo Antônio do Juiz de Fora, filho do Capitão Antônio Vidal e de Tereza Maria de Jesus. Formou-se em Medicina em Bordéus. Apesar de sua participação na conspiração ter sido bastante discreta, foi condenado a degredo para o Arquipélago do Cabo Verde, tendo falecido na Ilha de São Tiago, Convento de São Francisco da Cidade, Ribeira Grande, em princípios de setembro de 1793. Era poeta e escreveu: "Ode a Afonso de Albuquerque" e "Ode a Luís de Vasconcelos". Domingos Vidal matriculou-se na Universidade de Montpellier a 7/12/1785 e se transferiu para a Faculdade de Medicina de Bordéus em maio de 1787, onde em 1788 fez seus atos finais e diplomou-se. Antes de partir para a Europa (não aparece matriculado na Universidade de Coimbra), fez preparatórios no Rio de Janeiro com Manuel Inácio da Silva Alvarenga; este, já professor-régio de Retórica desde 1782 (agosto), foi fundador da Sociedade Literária do Rio de Janeiro (6/6/1786) e já era sócio-correspondente da Academia Real das Ciências  de Lisboa desde sua fundação (1779), graduado em Medicina em Bordéus, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, do Caminho do Rio de Janeiro, morador  na fazenda do Juiz de Fora no mesmo Caminho, que vive de agricultura, de idade de vinte e oito anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou  que com boa e sã consciência jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado e, aceito por ele o dito juramento, assim o prometeu fazer como lhe era determinado.

E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Ato desta Devassa, que todo lhe foi lido disse que achando-se hóspede em casa de seu primo, o Coronel de Auxiliares Francisco Antônio de Oliveira Lopes, que assiste na ponta do Morro, Freguesia de São José, indo com o dito em certa ocasião ver um serviço mineral, lhe entrou o dito Coronel a dizer que esta país era muito feliz por ter todas as comodidades para a vida, e quanto não seria delicioso se fosse livre; perguntando-lhe então, como se chamavam os que tinham feito a revolução na América Inglesa, ao que ele, testemunha, respondeu que um deles tinha sido Monsieur Franklin, lembrando-se então de uma extravagância que havia sucedido em Montpellier, quando ele, testemunha, ali estava, a um seu condiscípulo por nome José Joaquim da Maia (José Joaquim da Maia e Barbalho graduou-se em Medicina em Montpellier e 10/05/1787, com a tese Febre Erisipelatosa. No volume 8 desta edição publica-se a correspondência trocada entre ele e o Ministro Americano na França, Thomas Jefferson, em 1786 e 1787. Seu contemporâneo José Mariano Leal da Câmara Rangel de Gusmão defendeu tese no ano de 1790, também na Faculdade de Medicina de Montpellier. José Mariano Leal nela se matriculou  em 7/12/1785, ao mesmo tempo que Domingos Vidal, terminando o curso médico em 21/8/1790. Ambos eram mais atrasados que José Joaquim da Maia, tendo este cursado previamente a Universidade de Coimbra (matrícula inicial em 31/10/1783), da qual se transferiu para Montpellier. Em Coimbra foi contemporâneo de José Álvares Maciel. José Joaquim da Maia deve ter nascido no Rio em aproximadamente 1752, sendo filho do empreiteiro José de Maia e Brito, estabelecido à Rua da Ajuda, cujo correspondente no Porto, Caria Neto, se encarregava de dar-lhe uma pensão anual de 120$000, quantia bastante apreciável para um estudante na época.), o qual se lhe meteu na cabeça que havia de ser o libertador de sua terra, sendo natural da Cidade do Rio de Janeiro; e fingindo-se enviado de sua nação, se atreveu a falar ao Ministro da América Inglesa que, observando a sua proposição e ridícula figura, totalmente o desprezou, o que tudo ele, testemunha, já miúda e exatamente depôs em outro juramento que já prestou neste assunto. Depois disto, passados alguns dias, lhe tornou o dito Coronel a fazer alguns discursos soltos sobre a vantagem deste país ser defendido pela natureza, referindo-lhe então que tinha que contar-lhe certa coisa, e principiando desta maneira: "Que José Álvares Maciel, filho do Capitão-Mor desta Vila, tinha feito conhecer aos deste país, que nele havia com que se fizesse pólvora; que havia ferro e, enfim, tudo quanto era necessário para que o Brasil se fosse independente; e que ele, dito José Álvares, tinha dado palavra de aprontar tudo quanto vinha de fora, à vista que que não faltaria nada; que o Doutor Cláudio, o Cônego Luís Vieira, e o Desembargador Gonzaga tinham já feito as leis para se governarem, nas quais se ordenava que todo o homem plebeu poderia vestir cetins, que os diamantes seriam francos, que os dízimos os perceberiam os Vigários com condição de sustentarem uns tantos mestres, hospitais, e outros estabelecimentos pios; que aquele que mais se distinguisse na primeira ação, seria o premiado, e que a nação que primeiros os socorresse durante a guerra, essa teria mais vantagem nos seus portos.

Que o Coronel Alvarenga dava duzentos homens; que um de Minas Novas dava outros duzentos (Pe. José da Silva e Oliveira Rolim, cujo irmão Alberto era fazendeiro em Minas Novas); e que um Abreu (Domingos de Abreu Vieira), e que ele dito Coronel dava cinqüenta; e que um Abreu (Domingos de Abreu Vieira), contratador dos dízimos, dava a pólvora; e que o sinal para o dia do levante  era "Tal dia é do meu batizado"; que viriam todos de sobrecasacas, ou sobretudos, para melhor ocultarem as armas. Acrescentou mais, o dito Coronel, que o Cônego Luís Vieira tinha feito um plano para por ele proverem a segurança deste país, e outro igual para por ele se regerem, dizendo que este continente, a natureza o tinha feito defensável por si mesmo e que a entrada da banda do Rio de Janeiro, bastava guarnecê-la de diversas emboscadas de sorte que qualquer tropa, que subisse do sertão, se desbaratava, e os que escapassem da primeira, não escapariam da segunda. Que era preciso buscar ocasião em que todo o povo estivesse descontente, e que agora a havia excelente porque estava para se lançar a derrama; que o Senhor Martinho de Melo tinha escrito uma carta ao Desembargador Intendente  dizendo-lhe que devia ser riscado do serviço por não ter requerido a derrama, e que o Desembargador Gonzaga lhe tinha sugerido um requerimento muito forte para na Junta promover a derrama; que não tinham que recear-se de nação alguma, pois que todas desejavam o Brasil independente para virem negociar. Que os americanos ingleses em umas praias lavadas, não tendo outras minas mais que um pouco de peixe seco, algum trigo e poucas fábricas, tinham sustentado uma guerra tão grande, vendo-se obrigados a retirarem-se para os montes. Que tinham assentado que as emboscadas , para impedirem a entrada da parte do caminho do Rio de Janeiro, fossem compostas de homens pardos, costumados a andar no mato. Que também tinham assentado que o Alferes Joaquim José fosse à Cachoeira e matasse o Excelentíssimo Senhor General; e que, trazendo a cabeça, a havia de mostrar ao povo, subindo a um lugar alto e dizendo: "Este era quem nos governava; de hoje em diante viva a República." E que logo subiria um (Tte.-Cel. Francisco de Paula Freire de Andrada a fazer uma oração ao povo, anunciando-lhe a futura felicidade e que matariam também o Ajudante de Ordens Antônio Xavier de Resende, o Sargento-Mor do Regimento Pago (Pedro Afonso Galvão de São Martinho, tio afim do Dr José Álvares Maciel e conseqüentemente da irmã casada com o Ten..-Cel. Francisco de Paula); havendo porém dúvida se fariam, ou não, o mesmo ao Coronel Carlos José da Silva. E dizendo um dos confederados que não precisava ser morto o Sargento-Mor, acudiu José Álvares Maciel que assim se fazia preciso, porque os soldados o respeitavam mais que ao Tenente-Coronel. Finalmente, que se devia esperar ocasião em que fosse o quinto para baixo, a fim de se tomar e haver dinheiro para se pagarem os soldos; acrescentando mais que na cidade do Rio de Janeiro havia cinco ou sete negociantes que queriam que a revolução principiasse por lá; e que de Minas se lhes tinha mandado dizer que essa glória a queriam cá para si, tendo assentado que, tanto que se fizesse a revolução em Minas, se lhes escreveria uma carta dizendo que, se queriam ser pagos de tudo quanto estas lhes deviam, executassem lá o mesmo; e que então lhes mandariam socorro; e que, quando viesse grande poder, lhes mandassem embaixador a fim de se retirarem, e, quando o não fizessem, usariam de balas ardentes como tinham feito os ingleses em Gibraltar. Declara mais ele, testemunha, que pouco tempo depois de ter ouvido da boca do dito seu primo, referido Coronel, quanto tem referido, indo ele, testemunha, em certa ocasião para o Arraial dos Prados assistir como padrinho ao batismo de um filho de um fulano de Matos, o foi encontrar ao caminho um estudante, seu condiscípulo (José de Resende Costa (filho) fora igualmente aluno de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, no Rio de Janeiro.), chamado José de Resende Costa, filho de outro do mesmo nome. E, entrando em conversação, lhe veio finalmente a dizer que já talvez não fosse a Coimbra por certa circunstância. E, perguntando-lhe ele testemunha a causa, disse-lhe que era porque o Brasil se fazia breve uma República. E pedindo ele, testemunha, que se explicasse, porque já tinha ouvido tocar em semelhante matéria, porém o sujeito não acreditava, lhe respondeu o dito Resende que dissesse ele, testemunha, o que sabia, que ele acrescentaria o resto. Pelo que, principiando ele testemunha a relatar-lhe alguns dos passos acima referidos, o dito Resende lhe continuou outros, percebendo daqui, ele testemunha, que o que o referido estudante sabia era pouco mais ou menos o mesmo, e só de mais acrescentou que, em um banquete ou batizado, o irmão do Vigário de São José (Padre Carlos Correia de Toledo), que é Sargento-Mor (Luís Vaz de Toledo Piza), tinha feito uma saúde ao Cel. Joaquim Silvério, dizendo que breve ficaria livre da Fazenda Real, e que o mesmo Sargento-Mor se havia de armar General para ir tomar São Paulo; o que tudo tinha ouvido o dito estudante da boca de seu pai, a quem o tinha contado o mesmo Vigário de São José. E mais não disse; e aos costumes declarou ser primo do Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e assinou com o dito Ministro, lido o juramento, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha  -  Domingos Vidal de Barbosa


Autos de Devassa da Inconfidência Mineira
volume 1
Câmara dos Deputados  / Governo do Estado de Minas Gerais
Brasília. Belo Horizonte.1976.