TESTEMUNHA
13ª
João Dias da Mota, Capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de
São José, no Rio das Mortes, natural desta Vila Rica do Ouro Preto, Bispado de
Mariana, morador no Engenho do Campo, que vive de roça, de idade de quarenta e
seis anos, testemunha a quem ele dito Ministro deferiu o juramento dos Santos
Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe
encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que
assim prometeu fazer como lhe era encarregado.
E
perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe
foi lido, disse que vindo em certa ocasião da sua fazenda para São Bartolomeu,
em dias de março do corrente ano, encontrara nas Bananeiras, caminho do Rio de
Janeiro, ao Alferes do Regimento Pago desta Capital, Joaquim José da Silva, por
alcunha o Tiradentes; e sucedendo descansar, por causa do muito calor, no mesmo
rancho em que o dito Alferes, este lhe disse: “Pois Vossa Mercê não sabe ainda
o que vai de novidade?” E respondendo-lhe ele, testemunha, que não, continuou
aquele: “que já se tinha deitado a derrama e que cabia a pagar oito oitavas de
ouro por cabeça”. Ao que lhe respondeu ele, testemunha: “E que remédio senão
pagar? Quem tiver dinheiro, muito bem. E quem não o tiver, pagará com os bens
ou fazendas que possuir.” A esta resposta, replicou o dito Alferes: — “Qual
pagar! Vossa Mercê não sabe o que vai? Pois está para haver um levante tanto
nesta Capitania, como nas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará, Mato
Grosso etc. E já temos a nosso favor França e Inglaterra, que há de mandar naus.”
O
que ouvindo ele, testemunha, absorto do que escutava, lhe perguntou: “Pois quem
tem Vossa Mercê para esse levante?” Ao que lhe respondeu o mesmo Alferes:
“Temos pessoa muito grande!” E instando ele, testemunha, por que lhe declarasse
quem era, não foi possível tirar-lhe mais do que: — “que era uma pessoa muito
grande, e que a seu tempo o saberia”. E refletindo-lhe no perigo que corria em
tratar de semelhante matéria, e que não falasse em tal, lhe respondeu mais o
dito Alferes: — “Pois que tem? Que tem? Prenderem-me? Pois se me prenderem, alguém
me soltará.” Que tinha achado muito pusilânimes os filhos de Minas; e que
estavam a atuar quatro Ministros, sem os quais se podia passar. E com estas
razões se despediram, e ele, testemunha, seguiu seu caminho.
Declara
mais, que haverá quinze, até vinte dias, que passando por sua casa Joaquim José
dos Passos, afilador que foi o ano passado na Vila de São José, onde é
residente, lhe contou que se tinha feito um batizado em casa do Padre Carlos,
Vigário naquela Vila, em que assistiram o Coronel Inácio José de Alvarenga e o
Sargento-Mor Luís Vaz de Toledo Piza, e outros; e que nele se disse que o dito
Vigário havia de ser Bispo; e o dito Sargento-Mor proferiu que, com o fagote
que trazia à cinta, havia de cortar a cabeça do General. E que tudo quanto ali
estava assim o ouviu, até os músicos. E declara ele, testemunha, que não tendo
feito conta alguma, tanto das frioleiras daquele Alferes Tiradentes, como do
que ouvira ao dito Passos, por isso não viera logo delatar uma e outra notícia;
mas que passando por sua casa o Ajudante de Ordens deste Governo,
Tenente-Coronel Francisco Antônio Rebelo, e dizendo-lhe que quem soubesse
alguma coisa a este respeito viesse muito depressa declará-lo antes que o
chamassem, por esta causa veio ele, testemunha, logo a esta Capital, para o
sobredito fim de manifestar tudo quanto sabia, como faz. E declara mais que,
quando o dito Alferes Joaquim José teve com ele, testemunha, a conversação que
tem referido, lhe dissera juntamente que “havia já quatro anos que se
trabalhava nesta dependência do levante”.
Declara
mais que, em certa ocasião passando ele, testemunha, pelo Caminho do Rio e
sítio onde assiste João da Costa, chamado a Varginha, falando com o mesmo
Costa, lhe disse este que por ali havia passado no mês de dezembro, segundo sua
lembrança, do ano próximo pretérito, o Padre Manuel Rodrigues da Costa, morador
no Registro Velho; e que o mesmo lhe contara que estava América estava nos
termos de ficar uma Europa, no que ele fez alguma reflexão mas que não formou
disto discurso algum.
Porém
ele, testemunha, depois que se fizeram as prisões do dito Alferes no Rio, as de
São João del-Rei, e as que se praticaram também nesta Vila, passando outra vez
pelo mesmo sítio da Varginha e pousando na estalagem do já referido João da
Costa, refletiu com ele sobre a mencionada expressão, declarando-lhe o que
aquele Alferes lhe havia contado no sítio das Bananeiras, e já fica referido .
E ouvindo-o o dito João da Costa, lhe recontou mais este que um dos dias
antecedentes, que seria pouco mais ou menos nos fins de março ou princípios de
abril, jantaram ou comeram na sua casa três sujeitos, e que à mesa pegando um
deles, e que era o mais fraca-roupa, em um copo de vinho, proferira estas
palavras: “Lá vai à saúde de quem ainda dentro deste ano de oitenta e nove há
de ver novos governadores.” Ao que o dito Costa lhe disse: — “Como novos
Governadores, se ainda outro dia veio o Senhor Visconde General?” E o referido
fraca-roupa lhe respondeu: “Isto é cá outra coisa”. E declara finalmente, mais
bem lembrado ele, testemunha, que os fatos assim do Padre Manuel Rodrigues da
Costa, que já referiu, como o que acaba de declarar acima, do referido brinde,
ouviu ele, testemunha, ao dito João da Costa, antes ainda das mencionadas
prisões tanto do Rio, como destas Minas, assim como também o que relatou a
respeito do Alferes Tiradentes no sítio das Bananeiras; tendo sido só depois
das prisões o mais que ouviu a Joaquim dos Passos, do Rio das Mortes.
E
é todo o expendido, quanto sabe. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo
lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro, e eu, o Bacharel José
Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.
Saldanha — João
Dias da Mota