sábado, 6 de setembro de 2014

OS INCONFIDENTES


TESTEMUNHA 23ª

O Reverendo padre José Lopes de Oliveira (Batizado em 1º de maio de 1740, na capela do Ribeirão, Freguesia da Piedade da Borda do Campo. Filho do tenente-coronel José Lopes de Oliveira , natural de Santa Maria do Olival, Bispado do Porto, e de Bernardina Caetana do Sacramento, natural de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira, Minas Gerais. Os Oliveira Lopes eram primos maternos dos Vidal de Barbosa Laje.) natural da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo, que vive das suas ordens, residente no Arraial da Igreja Nova, de idade de cinqüenta anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramentos dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou que com boa e sã consciência jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que a primeira vez que ouviu falar em levante, foi no mês de setembro do ano passado, ao Coronel José Aires Gomes, o qual lhe contou que se esperava no Rio de Janeiro uma Armada Francesa, e que muitos moradores do Rio de Janeiro estavam de ânimo a seguir aquele partido francês, sem porém lhe declarar os nomes; e que isto mesmo já sabia o Excelentíssimo Senhor Visconde; porém que ele, dito Aires , protestara ser fiel. E quanto a estas Minas ouviu ele, testemunha, nos princípios do mês de março do ano presente, ao Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que estava para nelas se fazer um levante, entrando muitas pessoas nele; e que posto ele, dito coronel, fosse de Portugal, estava pronto a seguir, porquanto bem podia ser esta terra um Império pelas riquezas que tinha; e principiando a nomear os confederados, apenas lhe ouviu ele, testemunha, falar no Desembargador Gonzaga, quando pondo as mãos na cabeça, nem ouviu, nem quis ouvir mais nada; e só lhe tornou que isso era o que ele queria para não pagar o que estava devendo à Fazenda Real, dizendo-lhe que logo se viesse denunciar; e entende ele, testemunha, que assim o fez, porquanto, vindo aquele Joaquim Silvério logo à Cachoeira, onde se achava o Excelentíssimo Senhor General, voltou assegurando a ele, testemunha, que já não havia derrama, pois que tinha contado a Sua Excelência umas tantas coisas, que ele entupira, mandando escrever às Câmaras e suspendendo tudo; do que veio a concluir ele, testemunha, haver-se o dito denunciado como lhe recomendara; mas, passados alguns dias, foi o mesmo Silvério despedir-se dele, testemunha, dizendo-lhe que ia para o Rio de Janeiro buscar uma carta do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei para o Desembargador Intendente e Procurador da Real Fazenda; porém ele testemunha não acreditou semelhante coisa, muito mais acrescentando ele que o Excelentíssimo Senhor Visconde o aconselhara para isso mesmo escrever ao Excelentíssimo Senhor Vice-Rei; antes sim se persuadiu ele, testemunha, que o mesmo Joaquim Silvério tinha com efeito denunciado o premeditado levante nestas Minas ao Senhor General, e ia fazer o mesmo no Rio ao Senhor Vice-Rei, e isto pelas antecedências que expressadas ficam; e assim o escreveu ele, testemunha, em resposta a uma carta de seu irmão, o Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, mandando-lhe perguntar se sabia a causa por que ia ao Rio o dito Coronel Joaquim Silvério, porquanto vogava pelas Vilas uma notícia de que ele tinha ido correr uma parada; e este mesmo pensamento descobriu ele, testemunha, ao Padre Manuel Rodrigues da Costa.

Declara mais que indo ele, testemunha, na segunda semana depois da páscoa à Ponta do Morro, à casa de seu irmão, dito Coronel Francisco Antônio, aí chegou em uma tarde o Vigário de São José, Carlos Correia de Toledo: e depois de conversar em um quarto com o dito irmão, este se retirou e pediu a ele, testemunha, fosse entreter o Vigário; e fazendo-o assim, entrou para onde ele estava; e principiando a conversar, o achou melancólico e pensativo, o que deu causa a perguntar-lhe o que tinha. Ao que respondeu o dito Vigário que estavam acabadas suas ideias, porque Joaquim Silvério tinha ido denunciar o levante que se intentava fazer, contando-lhe que estava delineado erigir-se uma república; ao que repugnou ele, testemunha, dizendo que tal não se poderia conseguir porque não havia gente, armas, mantimentos e outros gêneros indispensáveis; e que, por consequência, os mesmos do levante em breve tempo se haveriam de entregar; ao que ele,Vigário, respondeu que o mais que duraria a guerra seriam três anos; e que, entretanto, se uniam o Rio de Janeiro e São Paulo e se passaria como pudesse ser, servindo-se do sal do sertão; que unido o Rio e São Paulo, havia muita gente, e que, quando os americanos ingleses sacudiram o jugo tinham menos armas e, contudo, resistiram até se conseguir a liberdade, o que ele, testemunha, ficou por extremo escandalizado; e muito mais de lhe dizer aquele Vigário que tinha muitos companheiros de caráter, e povo.

E falando ele, testemunha, depois com o dito seu irmão, perguntando-lhe este o que praticara com ele o Vigário, lhe respondeu que estivera armando castelos, e que se não fora a religião, lhe faria alguma desfeita.

Declarou mais ele, testemunha, que mandando-o chamar depois disto à sua casa, o dito seu irmão coronel lhe contou que aquele Joaquim Silvério os tinha a ambos denunciado, e ao padre Francisco Vidal. No mesmo dia de tarde, saíram ambos à caça e no caminho encontraram ao sargento-mor Luís Vaz de Toledo Piza, irmão do referido Vigário, com quem o dito seu irmão conversou um pouco de tempo, sem que ele, testemunha, por ficar mais distante, ouvisse o que tratavam; só sim percebeu dizer aquele Luís Vaz no fim: “Olhe, a mim não me hão de pegar”.

No dia seguinte, que era domingo, tornou o mesmo seu irmão a pedir-lhe que o acompanhasse, e saíram ambos ao romper do dia demandando a paragem a que chamam Atrás da Serra, onde encontraram o dito Vigário. E dizendo-lhe o dito seu irmão:”Que é isto, meu vigário? De Santo Cristo ao peito? Já vai de viagem?” lhe respondeu o Vigário: “Não sei o que sucederá”. E apartando-se um pouco do caminho, conversaram por pequeno espaço. E se despediu aquele Vigário dizendo: “Já larguei a Vila de São José por uma vez”. E tornaram ambos para casa. Declara finalmente ele, testemunha, que seu cunhado Luís Alves (Luís Alves de Freitas Belo, futuro sogro de Joaquim Silvério dos Reis, que se casaria, em 1791, no Rio de Janeiro, com sua filha Bernardina Quitéria. Outra de suas filhas, Mariana Cândida, seria a esposa de Francisco de Lima e Silva, pai de Luís Alves de Lima (barão, conde, marquês e duque de Caxias.), coronel de Auxiliares, lhe dissera que quando o alferes Joaquim José passara para o Rio de Janeiro, pretendeu falar-lhe na sua fazenda do Ribeirão, e achando-se então doente, lhe não pôde falar; ao que instou o dito Alferes, que sempre de madrugada lhe queria dizer adeus; e com efeito, batendo-lhe de madrugada à porta e entrando, lhe disse que ia para o Rio com a ideia de tirar umas águas; que se conseguisse, lhe haviam de render por ano vinte mil cruzados. E querendo adiantar a conversa a diferente assunto, ele, dito coronel Luís Alves, lhe fez sinal que ali estava sua mulher na cama, e então o dito Alferes se despediu. Declara finalmente que, depois da prisão do dito Joaquim Silvério, um Antônio de Oliveira Pinto, da cidade do Rio de Janeiro, mandou dizer vocalmente por um próprio, que viera para cima, ao coronel Luís Alves, que sossegasse que as coisas lhe não pareciam tão feias a respeito da prisão de Joaquim Silvério, porque, fazendo-se apreensão em seus bens depois de preso (Joaquim Silvério dos Reis esteve preso na Ilha das Cobras de 10 de maio de 1789 a 29-01 do ano seguinte. Embora solto por ordem do Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, ficou impedido, a bem das averiguações, de deixar a cidade do Rio de Janeiro, onde ainda residia na data da execução de Tiradentes.), se mandaram outra vez entregar a seu procurador. E declara mais ele, testemunha, que logo que foram presos o Tiradentes e Joaquim Silvério, ouvia contar geralmente aos viandantes que aquelas prisões eram por levante que se queria fazer nestas Minas; e que aquele alferes Tiradentes andara buscando pelas livrarias uns livros que tratavam do levante dos ingleses; e que os oficiais do piquete daquela cidade do Rio de Janeiro diziam que vinham buscar a Minas uns homens grandes; donde ouvia ele, testemunha, discorrer que eram o tenente-coronel Francisco de Paula, o coronel Alvarenga, o desembargador Gonzaga e outros. E mais não disse; e quanto aos costumes, declarou ser irmão do coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes; e assinou com o dito ministro, lido o seu juramento; e eu, o bacharel José Caetano César Manitti, escrivão nomeado, o escrevi.

Saldanha  -  José Lopes de Oliveira


Autos de Devassa da Inconfidência Mineira
Publicados pela Câmara dos Deputados e
pelo Governo de Minas Gerais.
Brasília. Belo Horizonte. 1976.