Testemunha
20ª
Francisco Xavier
Machado, homem
branco, natural da Anadia, Comarca e Bispado de Coimbra, que vive de ser
porta-estandarte do Regimento de Cavalaria Paga da guarnição desta Vila Rica,
onde atualmente reside, de idade de trinta e quatro anos, testemunha a quem o
dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em
que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse
perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.
E
perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que
somente sabe que recolhendo-se ele, testemunha do Destacamento em que
esteve na Jacobina, Capitania da Bahia,
e chegando por mar ao Rio de Janeiro, aí encontrou o Alferes Joaquim José do
seu Regimento, que assistia com outro Alferes do mesmo Regimento, por nome
Matias Sanches, com o qual conversando ele, testemunha, algumas vezes, lhe
ouvia ao dito Joaquim José exagerar a beleza, fertilidade e riqueza do país de
Minas Gerais, e que por estes motivos podia bem ficar independente assim como
fez a América Inglesa; ao que ele testemunha lhe respondia falando,
naturalmente, que tal nunca poderia suceder, porque Minas não tinha força para
se conservar, nem marinha para se defender, como tinha a América Inglesa; e que
além do primeiro ponto de honra e fidelidade, tinha todos estes obstáculos a
vencer que, certamente, se não podiam remediar; ao que o mesmo Alferes tornava
que tinha muito povo, e que as Minas por si só se defendiam, cujos discursos
rebatia ele testemunha com outras asserções que lhe vinham à lembrança nas
ditas conversações; e que passados alguns dias, o mesmo Alferes fora à casa
dele testemunha e lhe mostrara um livro escrito em francês, pedindo-lhe que lhe
quisesse traduzir um capítulo dele, que vinha a ser o dito livro em francês A Coleção das Leis Constitutivas dos Estados
Unidos da América, e o capítulo que apontava vinha a ser a seção oitava,
sobre a forma da eleição do conselho privado, por cujo conteúdo ser invulgar ao
dito Alferes, ele, testemunha, traduziu; o qual, depois, folheou muito o mesmo
livro e como quem queria achar outro lugar, deixando-lhe ficar o mesmo livro,
que é o próprio em oitavo, com capa de papel pintado, apenso desta Devassa;
depois do que se retirou o dito Alferes. Também sabe ele, testemunha, que o
mesmo Alferes procurou naquela cidade ao Sargento-Mor Simão Pires Sardinha, (Embarcou para Portugal. Nota constante
dos Autos. O Sargento-Mor Simão Pires Sardinha foi interrogado em Lisboa. No
volume 8, da presente edição, reproduz-se o seu depoimento. O Dr. Simão Pires
Sardinha era filho da célebre Chica da Silva, ex-escrava de José da Silva e
Oliveira Rolim (o velho) e irmã-de-criação do Padre José da Silva e Oliveira
Rolim. Chica da Silva foi amante, em segunda união , do Dr. Des. João Fernandes
de Oliveira, último contratador de diamantes no Tejuco e um dos homens mais
ricos de seu tempo, filho do primeiro contratador, de igual nome. Quitéria
Rita, filha de Chica da Silva e meia-irmã do Dr. Simão, foi a amada do Padre
Rolim, a quem deu vários filhos. Luís da Cunha Meneses reputava ao Dr. Simão P.
Sardinha como grande naturalista, encarregando-o de estudar as ocorrências
fósseis da região de Prados, MG. Simão Pires Sardinha, apesar de fazer praça de
contrário a Tiradentes, menosprezando-o, foi quem mandou-lhe aviso de que o
Vice-Rei o fazia vigiar por dois granadeiros disfarçados. Medroso da repressão
política que se prenunciava, retirou-se para Portugal, onde serviu vários cargos
da carreira judicial. Era homem de grande fortuna.) (que lhe contou o mesmo
Sardinha) levando-lhe uns livros ingleses para lhe traduzir certos lugares que
também diziam respeito a coisas da América; mas que o dito Sardinha, mal
percebeu o intento do dito Alferes, logo lhos tornou a mandar a casa, e dizia a
todos que fugissem daquele homem, dito Alferes, que estava doido, e o mesmo
disse a ele testemunha; depois, porém, que ele, testemunha, chegou a esta Vila
Rica, feitas já as prisões que nela se executaram, e no Rio das Mortes, ouviu
dizer que as mesmas tiveram a sua origem em um levante que se pretendia fazer,
sendo o autor daquela desordem o Tiradentes. Declara mais ele, testemunha, que
voltando do Rio de Janeiro no mês de maio próximo pretérito do corrente ano, e
tendo passado a Serra denominada do Azevedo, no fundo dela onde se acha
levantado um sítio novo pertencente ao Capitão Werneck, vizinho encontrara um
boiadeiro (Manuel Pereira Chaves, referido por Inácio Correia Pamplona na
carta-denúncia de 20-04-1789). A fazenda referida chamava-se Mendanha e ficava
a pouco mais de uma légua de Lagoa Dourada) que conduzia uma boiada e quatorze
ou dezesseis potros, tudo criação da fazenda do Mestre de Campo Inácio Correia
Pamplona, que ele testemunha conheceu por trazerem o ferro da mesma fazenda,
cujo homem boiadeiro era de estatura alta, grosso, barba cerrada, e quase
vesgo; o qual, chegando-se à noite para o fogo onde ele testemunha estava, lhe
disse ser também de Portugal e que a boiada e potros que trazia eram do dito
Pamplona, à exceção de um cavalo seu, ao parecer dele testemunha muito bom, que
levava para vender no Rio, quando lho pagassem bem; sendo o mais que levava,
para pagamento de uma dívida, pelo que cada uma das cabeças trazia preço certo
e inalterável; e travando-se conversa entre ele testemunha e o dito homem,
depois dele falar em várias matérias, chegando-se mais a ele testemunha e
moderando a voz, recatadamente lhe disse que as Minas estavam em grande
desordem; que se tratava de fazer um levante; que o Coronel Inácio José de
Alvarenga, havia dois anos, estava escrevendo leis e que o Coronel Francisco
Antônio de Oliveira Lopes, por alcunha o “Come-lhe os Milhos”, tinha sido
convidado para o mesmo levante; que ao princípio o recusara, mas que depois se
deliberou a ter parte no mesmo dizendo que: “O que havia de ser cozido, que
fosse assado, e que se desse já princípio ao negócio, e que ele valia por
quatro.” Também ele, testemunha, tem lembrança que, ou deste mesmo boiadeiro ou
alguma outra pessoa de que não pode recordar-se, e já depois das
supramencionadas prisões, mas ainda em caminho, onde encontrou preso o
Desembargador Gonzaga, o Vigário de São José e o Coronel Alvarenga, lhe
disseram que também eram entrados no mesmo levante o dito Vigário de São José e
o Tenente-Coronel do seu Regimento, Francisco de Paula Freire de Andrada. E
mais não disse, nem dos costumes; e lido o seu juramento, logo o assinou com o
dito Ministro, e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o
escrevi.
Saldanha -
Francisco Xavier Machado