domingo, 26 de abril de 2015

PANEM NOSTRUM QUOTIDIANUM


PARÁFRASE DE RONSARD


Foi para vós que ontem colhi, senhora,
Este ramo de flores que ora envio.
Não no houvesse colhido e o vento e o frio
Tê-las-iam crestado antes da aurora.

Meditai nesse exemplo, que se agora
Não sei mais do que o vosso outro macio
Rosto nem boca de melhor feitio,
A tudo a idade altera sem demora.

Senhora, o tempo foge... o tempo foge...
Com pouco morreremos e amanhã
Já não seremos o que somos hoje...

Por que é que o vosso coração hesita?
O tempo foge... A vida é breve e vã...
Por isso, amai-me... enquanto sois bonita.


Manuel Bandeira
A Cinza das Horas



O NAVIO NEGREIRO
tragédia no mar


'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar - dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como urba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
- Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano:
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Em baixo - o mar... em cima - o firmamento...
E no mar e no céu - a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! Ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai!... esperai!... deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia...
Orquestra - é o mar, que ruge pela proa,
E o vento que nas cordas assobia...

(...)

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar a esteira
Que semelha no mar - doido cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas Leviatã do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
Às vagas que deixa após.

Do espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Canta Veneza dormente,
- Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O inglês - marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
de Nélson e de Aboukir...
O francês - predestinado -
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros helenos,
que vaga iônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!

III 

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral!... Que tétricas figuras!...
Que cena infame e vil... Meu Deus! meu Deus! Que
[horror!


IV