domingo, 22 de março de 2015

OS INCONFIDENTES


TESTEMUNHA 31ª

Pedro Afonso Galvão de São Martinho, Sargento-Mor do Regimento de Cavalaria Paga destas Minas Gerais, natural da Vila de Campo Maior, Comarca e Bispado de Elvas, residente nesta mesma Vila Rica, de idade de quarenta e sete anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs a sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava determinado.

E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que depois de se efetuarem as prisões no Rio de Janeiro do Alferes Joaquim José, do seu Regimento e do Coronel Joaquim Silvério, assim como, nesta Capital, do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e Coronel Domingos de Abreu, e ultimamente das que também se fizeram no Rio das Mortes, é que ele testemunha ouviu dizer pública e geralmente que nestas Minas se premeditava um levante, motivo por que se praticaram as referidas prisões. E agora se recorda ele, testemunha, do que ouvira ao dito Alferes Joaquim José em certa ocasião em que foi a sua casa, o qual lhe esteve dizendo muito mal dos Excelentíssimos Generais, que só cuidavam em se enriquecer e que o país ficava sempre infeliz, sendo o mais delicioso e opulento. E dizendo-lhe ele, testemunha, que queria ir para sua terra, porque estimava mais o pouco que lá tinha que todas as riquezas de Minas, lhe tornou o mesmo Alferes que de preferência a ir, antes se estabelecesse no Rio de Janeiro. E insistindo ele, testemunha, no que já tinha deliberado e que só queria ir para sua pátria, acrescentou o mesmo Alferes que verdade era que também se não podia habitar naquela cidade do Rio de Janeiro, porque eram tantas as violências que o Excelentíssimo Senhor Vice-Rei praticava que todo o povo estava aflito e desesperado, de tal sorte que, se houvesse um que gritasse "Viva a liberdade", todo o resto o seguia; do que, já indignado, ele testemunha se levaantou donde estava e começou a asperamente repreender a temerária ousadia com que ele, dito Alferes, falava mal de todos, e ainda dos Excelentíssimos Senhores Generais, fazendo-lhe conhecer quão pouco eram racionais as suas expressões, depois do que o despediu. Depois, porém, de haver as mencionadas prisões, falando ele com um soldado do Esquadrão do Rio de Janeiro (O soldado do Esquadrão do Vice-Rei, que trouxe a notícia das prisões efetuadas no Rio de Janeiro ao Visconde de Barbacena, assim como da subida de tropas lusas para a Capitania, chamava-se Antônio Ferreira. Chegara a Vila Rica na noite de 20 de maio de 1789. Entretanto, a notícia já era conhecida na Capital de Minas desde a noite de 17 de maio, achando-se nela, como emissário dos Inconfidentes do Rio das Mortes, Francisco Antônio de Oliveira Lopes - que tentava forçar o Ten.-Cel. Francisco de Paula  Freire de Andrada a deflagrar o levante. Nessa noite ocorreu o misterioso caso do "embuçado". Pedro Afonso, entretanto, em outra inquirição, declara só ter tido notícia das prisões a 24-05...), contando este o que havia de novo, disse que se discorria naquela cidade verdadeiramente sobre o motivo das ditas prisões; porém, que já se dizia também que nasciam de algum premeditado levante e que o mesmo Alferes, achando-se naquela cidade em sua companhia, e dizendo que estas Minas eram o tesouro da Europa, acrescentara que a chave a tinha ele na mão, cujo dito dava causa ao referido discurso.

E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no referimento que nele fez a testemunha, o Sargento-Mor José de Vasconcelos Parada e Sousa, que todo lhe foi lido, disse que passa na verdade o que no mesmo se declara; e que ele, testemunha, sempre por cautela deu parte a Sua Excelência. E mais não disse, nem aos costumes; e assinou com o dito Ministro, lido o juramento, e eu, o Bacharel José Caetano César Maniti, Escrivão nomeado, o escrevi.


Saldanha   -   Pedro Afonso Galvão de São Martinho

( O S.M. (R.C.P.) Pedro Afonso Galvão de São Martinho era cunhado do Capitão-Mor José Álvares Maciel e sogro do Capitão Maximiano de Oliveira Leite. Veio para Minas já casado e com filhos (1775) - cf. Côn. R. Trindade, Velhos Troncos Mineiros. As relações de parentesco próximo, entre testemunhas e inconfidentes, tornam pouco críveis algumas declarações formuladas. Tiradentes foi favorecido, em seu Regimento, com sucessivas licenças para viagem ao Rio, ou prolongamento destas além dos prazos, sem quaisquer prejuízos nos soldos. Dois dias após a inquirição supra, i.e. a 15-07, uma Portaria da Junta da Real Faznda manda entregar ao Dr. José Álvares Maciel, o moço, materiais para suas pesquisas mineralógicas, conforme documenta o Prof. Gomes Mathias. No mesmo dia 15-07 chegavam a Vila Rica os Desembargadores Torres e Cleto, encarregados pelo Vice-Rei da Devassa-RJ, e que vinham investigar em Minas o mesmo delito.)